quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Porta retrato


Porta retrato garrafa
Não aprisiona o fotografado
Ponha-me  no vasilhame de vinagre
Se quiser, coloque azeite.
E já fico temperado.

Retrato retrata a vida.
Não é a própria lida.
Se me coloca e ironiza.
Não ligo!
Sou gênio, pronto!
Já sei contar até dez.
Faço conta de mais e de menos.
Sei quem descobriu o Brasil!

Se na garrafa pudesse.
De lá faria o meu observatório.
E estaria protegido até de maremoto.
Mande essa mensagem de mim.

Se me encontrarem um dia.
Sendo mulher formosa.
Eu juro amor eterno.
E se gostar de poesia.
Eu lhe prometo um soneto,
se me tirar do sono.



Linha ocupada


Alô! Quem fala?
Ligaram desse telefone pra mim.
Pode ser alguém
que tenha um nome que eu conheça.
Possa ser pessoa
com algo importante
a me dizer.
Que salve o meu dia.
Ou mesmo uma vida inteira.
Se for vendedor de seguro
pra cobertor em dia de calor.
Diga que eu não estou!
Se for rapariga parida
que liga de Lisboa
pra contar da gravidez.
Lugar onde nunca estive...
Apresente os meus préstimos
ao recém-nascido.
Têm muita chance de ser escritor
os filhos de Portugal.
Mas sendo mercenário cobrador
Não devo nada ao senhor.
Se for pra falar da crise financeira.
Machado de Assis já abordava o tema,
em Memórias Póstumas de Brás Cuba.
De lá pra cá, pouco mudou.
Trocaram a moeda, o sistema.
Mas a alma...
transeunte passageira,
trocou de corpo,
mas continua sem entender de finanças.
No entanto, se for um aventureiro...
querendo alugar meu coração,
liga pro alfaiate,
quem cuida dos meus cortes.
É ele quem sabe o tamanho
das minhas desventuras amorosas.
Agora se foi engano...
De fato não foi ninguém.
Porque quem liga trocado,
para um aparelho desocupado,
não sabe que este número mudou.
Toque de novo, por favor!!!


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O Nixon


O Nixon foi o sujeito mais divertido que conheci, sem que se esforçasse para isso. Era naturalmente engraçado. Costumava usar um paletó xadrez, que as más línguas contavam ser ferramenta para emergências. Se houvesse necessidade, ele o estendia na calçada e montava o piquenique. Era o estilo toalha de mesa legítimo. E o Nixon, nem aí para as maledicências dos amigos. Tinha dois riscados no puro gabardine.

Certa vez, descíamos a Gonçalves Dias para as nossas rotineiras visitas a empresas, para a manutenção de contratos e captação de novos clientes. Éramos caçadores de mão de obra temporária. Num repente, usando o meu ombro como cabide, ele soltou uma sonora gargalhada. Procurei nos passantes o inusitado e ninguém era motivo de galhofa.

— Galhardão! Era assim, no aumentativo, que ele me tratava. Embora a sua estatura me deixasse no chinelo.

— Você não vai acreditar! Pra não acordar a Cida, hoje cedo, tirei a roupa como ladrão. Foi no mais completo silêncio. E olhe o resultado — olhava para o chão a rir de si próprio.

Nixon havia calçado um sapato azul e o outro preto.

Noutra feita, estávamos nós no subúrbio do Méier, encapados de grã-finos e com uma fome de três dias.

— Galhardão! Vamos fazer uma boquinha na casa do meu irmão!

— Não, Nixon! Vamos incomodar!

— Deixa de bobagem! O que incomoda é essa fome de varar o estômago!

E lá fomos nós para a casinha de presépio, como pareciam as casas da Zona Norte, antigamente. Nixon tocou no portão e logo surgiu uma jovem senhora.

— Cunhadinha, viemos filar a boia!

A moça nos olhou enviesada e mandou a letra de quem não gostara da surpresa:

— Estou lavando roupa, Nixon! Não fiz comida. Improvisa algo!

— Tem macarrão?

— Pega no armário. O molho está na geladeira. Vou pros meus afazeres de doméstica. Não tenho empregada. Se vira!!!

E saiu solene, rumo aos fundos da casa, onde ombreava um tanque.

— Galhardão, vais comer a melhor macarronada da sua vida! E pôs-se a tocar o fogão com a maestria dos grandes chefes.

Logo veio com dois pratos fumegantes, encimado com queijo ralado, para enfeitar a obra. À primeira garfada, entalou na goela e foi tarefa difícil degluti-la. Nixon já partira para o segundo prato e eu ainda engatinhava no meu, já a meio gosto.

— Galhardão, você é frouxo! Não come nada! Macarrão napolitano não é todo dia que faz parte da sua faina! Vai, come tudo! Não me decepcione!

A muito custo, empurrei os compridos de massa rósea pro bucho. E lógico, não quis repetição.

— Galhardão, você não honra a pança que carrega!

— Estava ótimo, Nixon! Sou de comer pouco mesmo!

Da copa, Nixon grita para a moça que já estendia as roupas no varal:

— Cunhadinha, tem alguma sobremesa aí?

— Oh, Nixon! Tem um doce de goiaba na geladeira, num vidro de Karo!

Nixon me mirou com dois olhos esbugalhados, saindo da cara e berrou:

— Galhardão! Nós acabamos de comer macarronada ao molho de goiabada!

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Viagem do Scooby-Doo



Agora o nosso valente Scooby-Doo partiu mesmo. Estava cansado e muito doente. Nem mesmo o inventor do amor, conseguiu desinventar tudo o que sentimos por ele. Viveu até o último dia do mês de outubro de 2013. Somos muito gratos pelos momentos de extrema alegria que ele nos proporcionou. Foi amigo de todos. Gostava do Dudu, do Titi, de toda gente. Do Banzé e do Pastor. Do passarinho verde e das rolinhas. Do sabiá, dos sanhaços e dos bem-te-vis. Nos últimos tempos sentia saudades dos passeios que dava nos arredores. Ficava olhando a distância e abraçando a impossibilidade.
Vá com Deus, valente amigo!!! Se encontrares com o Bob, leve um abraço carinhoso. Vocês estarão sempre em nossa convivência, vivos, todos os dias em que nos mantivermos nesta vida.
Sabem aquela dor aguda que vocês sentiram calados, para não nos fazer sofrer. Dói demais, amigos de pelos. Agora sabemos! Vocês foram muito especiais!!! Valeu!!! 
 





Simbora


Vou-me embora pra Simbora.
Que lá ainda sei jogar bola.
Faço caminhos entre pernas e pontapés
E lanço umas voadoras
que beijam o chapéu da rede
e correm mansas como aranhas
até o rente do chão.
E arrancam  explosões da alma
De quem habita o país do gol.

Por lá ainda conheço
Uns atalhos
São trilhas das laterais
Faço corte em diagonal
Planto o terror nos contrários
E ao invés de chutar
Rolo mansinho
Pra quem vai surgir
diante do derradeiro.
É certeiro como café com pão.
Casa com a alegria
E os braços se abraçam
É o desenlace da pelota.
Que renasce logo depois.
No xadrez de peças vivas.

Vou-me embora pra Simbora.
Que lá o simples se arvora.
Onde empresto a minha arte
aos operários da bola,
que reformam a minha mocidade
e me deixam pintar,
nos campinhos de terra,
os eternos momentos de glória.


segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Juras de amor


Coloque no seu cartão de visita
Estampe na camiseta
Avise a cada encontro
É proibido me amar

Por juras de matrimônio
Por culpa da sociedade
Pra não macular a imagem
Não devem sonhar comigo
Mais que pareço que sou

Por conta das amizades
Por compromisso anterior
Não escreva versos em que eu esteja
Não tome chope comigo
Não asse carnes, não vou.

Não guarde este meu sorriso
Não é cantiga de amigo...
nem fecha portas ao andor.
No confessionário não conto.
Que tudo que escrevo não juro.
Minto por intenso amor.

Amar ela


A moça amarela
De cabelos amarelos
Atravessa a ponte amarela
Vestido de baile amarelo
Na Budapest amarela
Abro a tramela
Na roda de amigos amarelos
Juro amar ela
Amar ela mais que os pêssegos
Mais que as tâmaras maduras
Mais que as tangerinas ouro
Amar ela amarela
Mais que as margaridas e os girassóis
Mais que todos os destinos amarelos.


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Na casa dos outros


Não me assenhoro, senhor! O senhorio deixou cá, sua senhora, pra tocar o recebimento dos aluguéis. Eu, servo do inquilinato, não me oponho a pagar. Não sou abjeto. O que me custa é ganhar o tanto que devo e mais um resto pra sobreviver.

— Lavro ouro na penhora, mas não penduro a minha honra. Sei ordenhar. Cuido de galinha. Cato gado no arranha-gato do sertão. Mas aqui nos perdidos de ruas e no mundaréu de gente, não tenho assento em outro serviço que não seja juntar tijolos na direção das grimpas do Céu.

Portugal pequeno


Os azulejos traziam um bordado que guardavam a sua origem lusitana.

A senhora, na varanda, estendia o sotaque que herdara de Eça e Camões e agora cortava a Terra do Fogo. A moçoila cantava um fado que nos levava para os Açores e seus amores ao cair das tardes.

Os caixotes na caminhonete exalavam o cheiro de negócio importado e deitavam no gentio das cercanias, sabores de Portugal.


quarta-feira, 13 de novembro de 2013

É Pica


Esta aconteceu em Maricá, região metropolitana do Rio de Janeiro. A professora do ensino fundamental para crianças de cinco e seis anos, juntou suas economias e comprou tintas atóxicas, para pintar os petizes e ministrar uma aula lúdica para os guris. A intenção era criar um Maricarnaval. Uma folia fora de época, a fim de despertar nos meninos a interação do grupo a partir de brincadeiras, músicas folclóricas e cantigas de roda.
Pacientemente, ia pintando um a um, de acordo com a vontade e os sonhos da criançada. Tinha pato, cachorro, heróis dos gibis e da televisão:

— Tia, a senhora pode me pintar de Hulk?

— Não! Eu tenho pouca tinta verde.

— Pode fazer um Hulk  vermelho mesmo, eu não ligo!!!
A coisa ia acontecendo como ela previra. Os alunos estavam em êxtase absoluto. Todos muito felizes com a experiência. Valera à pena o empreendimento.

O Maricarnaval teria que se repetir todos os anos. Neste momento de reflexão se aproxima um garotinho de apenas cinco anos e entusiasmado pergunta à mestra:

— Tia, pode escrever que eu sou pica no meu corpo?

— Que isso, menino? Vou mandar uma repreensão aos seus pais. De onde você tirou esse absurdo? Não posso pintar isto, não! Pensa em uma outra coisa!!!

— Tá bom, fessora!!! Então escreva que eu sou foda mesmo, serve!...


sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Neto de encomenda

O menino não gostava de ser bajulado. E seus avós haviam se deslocado do Rio de Janeiro para Manaus, só para isso. Quatro horas de voo cego sobre a floresta amazônica para ver o bicho do mato. Quebram teima com amor.

Mas o garoto não gostava do chamego dos dois. — Pára, vô! Não encha o saco!

— Duda, não trata o seu avô assim. Ele é o pai da sua mãe. Gosta muito de você!

— Não torra a paciência, vó! Por que você não volta pra casa? Vai embora!
A vovó Tita corou de vergonha. “Que pivete metido”!

— Você está me mandando embora?

— Estou vó! Pega as suas coisas e vá para o Rio!
Tita que estava de saída para o mercado, desceu os quatro andares de escada, recobrando os sentidos. Deve estar brincando. Não pode ser tão mal criado. Ele é tão bonzinho.

Ainda zonza, com os gritos do neto, zunindo na cabeça, chegou à rua. Caminhou uns passos miúdos e ouviu os berros do pequeno, vindo da varanda.

— Ah! Era tudo troça. Ele está me chamando! Deve estar arrependido com o mal feito.

— Vó! Oh, vó! Vooolta!!!... Você esqueceu a sua mala!!!
 
 

O Boneco da Floresta


Boneco da Floresta

Chegou à casa com medo dos cachorros que já estavam presos. No entanto, os latidos não lhe deixavam sossegado. Devem estar famintos. Vão querer me devorar. Conjecturava agarrado à barra da saia da avó.
— Eles mordem?

— Não vão te pegar. O portão está fechado!

— Olha o que fizeram na árvore. Cabeça e braços de baldes. É o boneco da floresta. Protege todas as plantas e os pássaros que se alimentam dos seus frutos e sementes. As aves espalham mudas de árvores e se abrigam em suas copas — contou a avó.
Filomeno, pouco mais de três anos, mirou o boneco estoico e vaticinou:

— Parece feliz!!!


quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Bicho bom


— Tio, quando você vê bicho bom, o seu bilau fica duro?
Não tem coisa mais desconcertante que pergunta de menino. Dá um avesso na razão e o juízo dá um nó.
— Bem, se o bicho é bom demais, fica!

O garoto numa explosão alucinada sai em desabalada carreira, num grito só:

— Ahhhhhhh!!! Não falei, mãe. O pai é boiola!!!

Vocabulário infantil:
bilau – taco de beisebol
boiola – bola de beisebol
bicho bom – animal de estimação

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Iluminado Deus



É coisa do nosso mandatário maior. Que é quem faz e a gente pensa que fez.

Dever de casa

— Venécia, eu vou dar um pulinho na venda e você ajuda ao seu irmão, mode ele fazer a lição de casa.

— Raimundinho, tenha tino! Bota prumo pra não errar o rumo.

A vida arranja uns trecos que se você não ajeita, dá um troço. Criar filho é um desses sem jeito.

— Venécia, ajudou nas tarefas do seu irmão?

— Pude não, mãe. Eu não entendo a letra dele!

— Oxente! E você, Raimundinho, deu cabo do seu dever sozinho, abestado?

— Vou ficar a lhe dever, mainha! Eu também não entendo a minha letra!!!

Nota do editor: Aqui na 89ª publicação, inauguro uma outra vertente do meu blog. Passo a divulgar, também, microcontos. São experiências vivenciadas no seio do povo. Espero que possa colaborar com  a literatura que brota todos os dias nas ruas, lugarejos e grandes cidades brasileiras. É uma gente inventiva no contar da sua história.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Cinquenta tons e tal

Pois eu já tenho cinquenta e oito.
E não é fácil ter cinquenta e oito
de qualquer coisa.
Ter tudo em tampinhas
de refrigerantes estrangeiros.
A quantidade em charutos importados.
Ter todo o tanto de figurinhas carimbadas.
A coleção em selos raros.
Ter a metade, que seja,
de amigos de verdade.
Um bosque de árvores cinquentenárias.
Abraços e beijos apaixonados.
As miniaturas dos objetos desejados.
Ter o visto permanente de entrada
para os países da Europa e da Ásia.
Ter tido tantos cães de guarda,
quanto a dor das perdas,
tenha  nos colocado  à prova,
e a sobrevida resistido incólume.
Guardados na gaveta
os cinquenta e oito melhores discos,  livros
e saudades escondidas lá no fundo.
Ter na memória os preferidos filmes.
Ter tido cinquenta e oito tons de sonhos realizados.
E não ligar nem mesmo um pouco
para os cinquenta e oito objetivos
nunca alcançados no passado.
O futuro será o fim de tudo.

Em tempo breve
terei a vantagem de pagar só meia,
por ter vivido uma vida inteira.
Ter a passagem num cartão de plástico.
A existência sustentável da grande cidade.
Sou de maioridade.
Entrar na fila dos idosos,
artéria da América Latina,
onde geme a dor dos povos.
Cinquenta e oito tons e talvez alguma sorte.
E a certeza de que a cada novo,
serei um mais velho.
E a cada nova etapa ultrapassada...
será mais difícil atingir a próxima.
Vou precisar tomar cinquenta e oito remédios
para cinquenta e oito doenças adquiridas,
que vão me custar cinquenta e oito dinheiros.
E vão me dizer que, agora sim,
cheguei à melhor idade...
Que gente engraçada!
 


 

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Na terra de Aruanã

Se o sopro da tua voz
acelera o meu coração.
O medo do amor arrefece.
O grito sai mudo
como legenda de gibi:
Todo sim é início do não.

Dizer-te estrelas,
quando só luas se tem pra contar.
Falar de flores com um punhado
de sementes na mão.
Sonhar os beijos d’antanho
nos improváveis de Aruanda.

Abrir sorrisos.
Levantar tufão interior
quando bate ponto...
é arremesso de peteca
em quadra de tênis.

Burlar o susto, saltar o tempo.
Buscar o teu endereço
na  contracapa do livro.
Inaugurar um baticumbum
na contramão da estrada.
E seguir a viagem
pra nunca se chegar.

Dunas e montes.
Atrás de riachos profundos,
onde Aruanã guarda tesouros.
Na terra dos sem mal
claros segredos.

Ontem eu fui ao teu encontro
Você havia saído com a poesia.
Enfiaram nos teus seios
versos decassílabos.
Eu me fingi de soneto.

Pra verter com exatidão.
A obra da natureza pintada no Céu.

Como desejei ser o poeta...
A viajar no teu corpo.
Tecer cada letra
no vagar de uma estrofe.
Buscar nos seres que te habitam.
Apenas um que me amasse!

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Feliz Aniversário

Fazer aniversário
era melhor antigamente.
Traçava o bolo na manteiga.
Encomendava um guaraná Antártica.
Botava o disco na vitrola
e pronto...
Fazia cinco, seis, sete...
Sem contas.
Pouco importava quantos.
Era uma festa só.

Agora...
Nestes tempos modernos
Bolo já vem com glúten
Refrigerante com rato
A fantasia ardeu
no último carnaval.

E quantos se faz,  então...
É de perder a conta.
Dói na alma e lava o corpo inteiro.
Pesa um tantão assim.

Joga a festa no facebook
e os sorrisos congelados
vão  iluminar a linha do tempo.
Para um dia serem lembrados...
Fazer aniversário...
era  melhor antigamente.

Que Nossa Senhora de Schoenstatt proteja a minha esposa no seu aniversário e o tempo que lhe restar ainda para comemorar outros. Que sejam muitos, para que no derradeiro, a gente possa lembrar,  deste de hoje (16.10.2013), como antigamente...

Ó minha Senhora, ó minha Mãe, eu me ofereço todo a Vós! Em prova de minha devoção para convosco, vos consagro neste dia os meus olhos, meus ouvidos, minha boca, meu coração e inteiramente todo o meu ser. Porque assim sou vosso, ó incomparável Mãe, guardai-me e defendei-me como coisa e propriedade vossa. Amém!
 
 

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Suspeito de viver


Ao meu camarada Armando que dizia ser azul pra enganar quem o perseguia. Sumiu. Nunca soubemos de seu paradeiro.

Ao meu melhor amigo, Carlos Augusto, o Guta, que teve o olho de seu filhinho perfurado por “bala perdida”.

A minha tia Cida que, muitas vezes nos emprestou canecas de arroz e feijão crus, para termos o que comer. Nosso débito já deve ultrapassar meia tonelada.

Ao meu pai, José Ferreira de Lima, o Pinga, que trazia pés e pescoços de galinha, restos do restaurante do Flamengo, para ser a nossa canja, quando havia arroz.

Ainda “in memoriam” de meu pai que, mesmo nos momentos de extrema miséria, sempre nos ensinou que,  na vida, o que mais importa é a própria vida. “Não vale se sujar nem por tostão nem por milhão”.

Por fim, a Amarildo que só conheci pela imprensa. Mas convivi com a sua história ao longo da existência. Foram milhares de Amarildos que não tiveram a mídia ao lado. Mas que sofreram na carne o peso da chibata dos mesmos senhores.

Senhores da capital e do Capital. Perdoem-nos por todos os Amarildos que ousaram nascer. Perdoem-nos pelo
 crime de nascermos pobres.



 
Você é negro favelado.
Já perdeu o rebolado.
Quem mandou você nascer?
Você é suspeito de viver.

Não me olha de banda
que eu não sou quitanda.
Nem carrega na quimbanda
que o meu Quilombo é na África.

Me economiza!
Me erra!
Não me atira
seu olho gordo de fome.
A expiação desta vida
não vão te pagar.

Banda a lua.
Expurga o sol.
Pra terra da assombração
quem mandou vir, seu moço?
Pro almoço pés e pescoços
de galinhas, avezado.
Caldo de cabeça de peixe
no prato de lata de doce.
Ninguém quer ser convidado.
Passam ao longe da tua fome.

Os homens estão desconfiados.
Andam investigando os teus passos.
Na noite invadida,
por que tanto interesse na minguante?
E que tanto miravas na moça bonita?
Olhavas as marmitas...
Observava o movimento das padarias.
O que fazia de tocaia,
Na banca de bananas da feira livre?

Te cuida, seu moço!!!
Você é suspeito de viver!
Passa curtinho a tua marra.
Não avacalha o nosso serviço.
Tira este riso da cara!
Que ao feio não é permitido sorrir.

Onde esconde os esconderijos?
Entrega logo a cambada!
Diga quem foi que matou
quem não morreu?!

Sujeito folgado de honra amassada.
Nem lanterneiro te arruma...
Apruma o rumo!
Ajeita um jeito.

Se me sujar do teu sangue.
A tua família vai lavar a minha farda.
A tua ficha já foi levantada.
Você é suspeito de viver...

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Chegada de Anjo


Giovanna já nasceu virtualmente. Agora ela chega de verdade no Planeta Azul, neste sábado (14.09.2013), às 10 horas, no espaçoporto de Niterói. Vem para brilhar!
Chegada de Anjo

Se chegares pela manhã
Serás coroada pelos raios de sol
E terás o seu brilho
para  nos iluminar.

Se vieres ao cair da tarde
Na aragem que balança o dia
Serás como pássaro a trinar o hino dos alados
Que em nossa palma anunciou a sua vinda.
 
Se, no entanto, a noite te trouxer
Terás contigo a paz que embranquece a lua
E o destemor pra atravessar fronteiras.

Quem traz o sol e embala a lua
é o jogador, o acendedor de lampiões.
O mesmo Deus que nana ao apagar os dias.

E a qualquer tempo,
serás ungida pela força divina.
Serás a menina princesa
de uma  rainha mulher.

Venha, Giovanna!
Tem uma festa preparada em cada peito
Num batuque mágico de centenas de corações
A ritmar o embalo de uma nova vida!

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Um filho depois ou Um Poema para o Fábio

Quem foi que te mandou nascer depois?
Como bom vascaíno,
você se tornou um vice-filho.
Mas como a vida não é um campeonato
ser segundo na linhagem
tem lá suas vantagens;
É a tentativa de melhorar a espécie;
Aprimorar no amor para moldar o novo ser;
Pintar de amarelo, os cabelos
que primeiro foram pretos;
Tingir de azul,
os olhos verdes do primogênito;
Fazer da emoção
a lança das suas ações
e da fraternidade o seu escudo de defesa.

Ser a prata da lua
que reflete a luz do sol
e empresta a claridade
às noites dos enamorados.

Conhecer o melhor trajeto do caminhar.
Mas mudar o rumo
só pra ver aonde a vida vai dar.

Fazer do pouco o muito que lhe basta.
E reservar algum
pra repartir com o próximo.

Quem vem depois já sabe o jeito.
Mas nunca descobre
o que não tem mesmo jeito.

Ser vice-filho
Não é como ser vice-presidente.
Pra ser prudente,
divide as alegrias e as tristezas.
E nos momentos de angústia extrema...
um passa a ser o outro.
E a dor que dói demais
é a mesma dor, que dói de menos.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A fábula de Santa Teresa

Numa cidade distante, mais longe do que Depois, reza a lenda ser território livre dos colibris. Mas quem dominava as calçadas de suas ruas e praças eram os canários-da-terra. Bicavam solenes as canjiquinhas e os milhos picados que, em alquimia mágica, transformavam-nos a cada dia, nos avoantes mais amarelos do lugar.

Os azulões, livres, comiam frutas silvestres, em galhos próximos, sem nunca terem experimentado a ração industrializada, doada por mãos benevolentes.

No entanto, os canários amarelinhos ciscavam sem tirar olhos das árvores, uma ameaça constante.

No horizonte interminável, ninguém arriscava um voo no quadro da natureza. Os canários-da-terra não queriam abandonar os seus ninhos e, os azulões, por sua vez, preferiam continuar em seus galhos, trinando, como mantenedores da espécie.

Ah! E os colibris, esvoaçantes, reinavam, sem ter reinado...

E nesta fábula ainda, existia o risco dos gaviões, terríveis predadores, que podiam a qualquer tempo, comer as fêmeas dos canários, dos azulões e dos beija-flores. Se é que vocês entendem conversa de passarinhos?!

Fiz um Rap


Eu só fico observando a vida por
trás das cortinas balouçantes.
Os bondes, as viaturas, as criaturas
Os chefes, os capitães, o capital
Rata tatá, rata tatá, quem tava não tá

Tem gente passando,
De bonde, de bando
Capitão foi pro quartel,
onde está o capital?

Na manifestação, tem mais de milhão
Tem bunda lelê, tem bunda lá lá
Ainda seremos, aquela nação do futuro
O futuro que chegou, totalmente sem noção.
Rata tatá, rata tatá, quem tava não tá

Onde está o meu parceiro?
Onde está o meu irmão?
Em que luta eu estava?
Em que luta eu estou?
Quem estava, não está.
Rata tatá...

Focinho de bode

O que me sacode,
me bole,
é os modes de agora.
Que me leva donde estou
até o mundo todinho,
sem que eu saia do meu pé de chão.
 
Cara de bode.
Não explico este trote.
Oxente, my love!
Estou aqui!
Onde estou?
Dizem, ó pá!
Please! Don't!
Si, si puede!

Dio, come te amo!
Se danço o xote.
Me rumam um tal de stop.
Na xota , no pode!
Oxente, diacho de troço!

Na prece da pressa.
Só vale orar pros santos deles.
Me tratam terrorista.
Diacho, nem terra eu tenho!
 
Sou gente sem posses!
O burrico que trago.
Confesso, roubei!
E mode não vejam.
Eu trago escondido.
Todim, dent'de mim!
 
Se carrego sorte.
Quem sabe, não leiam!
E possa enervar
quem quer me calar.
 
Te digo, seu moço!
Cá no coração.
Além do burrico.
Só levo uma mula na mente.
Que ela não mente.
Profere "nos escrito"...
Oxente, my love!
Focinho de bode.
 
A José Ferreira de Lima, meu pai, comunista convicto, que, no entanto, nunca quis que eu seguisse os seus passos. Um cabra arretado.
Há mais de trinta anos, sou apenas franciscano. Reparto os pedaços de mim.