quinta-feira, 25 de junho de 2009

O boi encantado

O marido de Cathirina matou o boi de Sinhá!
Oi, que mal ele lhe fez?
Foi por capricho com Sinhazinha.
Pra quem o boi era rei.

Cathirina, desejo expurgo.
Queria a língua do boi, oi!
Feriu de morte o coração do rei
e de pronto a comeu.

Sinhazinha então foi definhando, ei!
De tristeza extrema,
morrendo de pena a cada dia.
O seu pai, querendo salvá-la, ai!
Convocou as forças supremas.
Para o boi ressuscitar.

O primeiro foi padre rezador
cujo esforço de nada adiantou, oi!
O segundo foi doutor bebum, hum! oi! ei!
Sai pra lá doutor com a sua sina de bebedor.
Foram tantos os encantos, mode reviver o boi, oi!

E nada o aprumou, ah!
Então o pai de sinhazinha
convocou o pajé da tribo
das terras dos manauaras.
E o índio rezou por sete luas
até o boi levantar, ei!
E foi festa na aldeia
e dança de boi-bumbá.
E o encantado touro
pra alegria de Sinhá,
virou Boi Garanhuns
para esta história contar.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

terça-feira, 23 de junho de 2009

O encontro das águas

Um risco negro corta a terra dos manauaras.
Um mar imenso de águas pretas avança pro longe
e quanto mais se invade os seus domínios
mais o distante foge da gente.
E sem que se achem as barrancas da floresta,
uma outra barreira surge inesperada a olhos desatentos.
O encontro das águas coloca de um lado o Rio Solimões
de leito rubro e profundezas geladas.
Do outro as marés escuras do Rio Negro de tucunarés e dourados,
onde habita Iara, a mãe d’água, sereia dos reinos fluviais.
A magia dos pajés deita os gigantes, lado a lado,
por dezesseis distâncias, sem que se misturem seus destinos.
Só quando o Solimões engole o Negro e tudo vira Amazonas,
num só leito, um só braço, caminha volumoso,
na sua vocação de rio mar.


Na foz do mais caudaloso rio
tem novo encontro das águas.
A pororoca se enrosca no embate
do mar doce que tenta quebrar
a salinidade oceânica.
É vermelho cruzando azul.
É azul avermelhando em lastro.
É o enredo das festas da tribo manauara,
redesenhado com as tintas fortes da natureza.
É Boi Caprichoso anil.
É Boi Garantido rubro.
É coração de boi que não se pode matar.
É o encontro diário das águas,
sacudindo lendas, desvendando crenças,
reinventando mistérios.
É Deus amarrando num laço tênue, a vida terrena.
É o Criador Caprichoso,
Garantido por esses milagres das águas.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Janelas da Cehab

De onde estou, posso enxergar o mundo inteiro,
sem que me percebam.
Descerro os olhos da casa e vislumbro os passantes
que rabiscam a vida devagar.
Alguns correm, outros apertam o passo,
são circunstantes que desenham a pressa dos dominantes.
Como diria Carlos Drummond de Andrade:
soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Quebrando o ritmo frenético, alguns meninos
batem bola na esquina, treinando a jogada genial,
que nos dará mais um título mundial,
em alguma próxima disputa de futebol.
Articulam nossa alegria futura.
Uns senhores jogam damas na mesa de pedra,
calculam circunspetos os segredos do envolvimento humano.
Vejo a senhora que retorna da feira, sobraçando o alimento do ninho
que os parcos recursos lhe permitem comprar.
Também posso ver alguns poucos desafortunados,
deitando-se com a tarde, sob a marquise dos supermercados,
no cantinho que se faça mais aconchegante.
De lá observam o repique de luzes que apagam e se acendem,
como árvores do faz-de-conta dos incautos.
Quem sabe o destino não lhes reserva um dia,
a possibilidade de ocupar o lado de dentro das janelas.
Do meu observatório, vejo a vida que se abre em leque e me pergunto
se não vale a pena tentar o máximo que nos seja possível,
mais e mais, o quanto de muito mais for permissível,
abrir aos milhares,
as janelas da Cehab.

Matriarca

Sabe, mãe?
Não deu ainda para
secar todas as lágrimas
da infância.
Mas já não dói a fome
de alguns dias do passado.
E a vida deu um salto
sob a sua conduta magistral.
Hoje, cá estou adulto,
carente de seu colo da infância.

A chuva não goteja mais do nosso telhado.
Nem desbarrancam mais as nossas casas.
Os nossos caminhos já não são de lama
e os nossos tanques não são mais as pedras de um rio.

Recordas as chuvas de verão?
Águas pesadas que ameaçavam
levar todos os sonhos morro abaixo.
Gente e casas desmoronaram em 1966.

Foste estaca da resistência.
Sob a sua guarda cresceram filhos,
netos e bisnetos.

As surras, todas por algum motivo justo,
doem menos que as chibatas silenciosas da existência.
E agora, nem nos fazem falta os abraços e os beijos
que não aprendeste a nos dar.

Pássaros bicam passarinhos.
Cachorros mordem os filhotes.
Tigresas mostram as presas
Cuidar com entrega deve doer na alma.

Agora não precisas mais enganar a fome
com um tanto de café e um cigarro
para sobrar o alimento aos seus pequenos.

Pedir emprestado um caneco de feijão,
um quilo de açúcar, um pouco de arroz.
Fazer comidinha de barro é o nosso papel.

Sabe, mãe?
Hoje penso ter crescido o suficiente,
para entender a vida.
Mas no entanto, guardo só um pouco:
A dor que sinto vem de longe.
Nosso ontem modificou nosso amanhã.
E o segredo é viver intensamente o hoje,
como se não houvesse amanhã.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O mundo que falta

Eu vi uma menina que sentia fome.
Que remetia ao pai o pedido da mãe:
Ela lhe implora que se leve algo pra gente comer.
E o pai, comovido, na boca da feira,
leva a mão ao bolso, cata umas moedas,
mas logo constata que só dava pra comprar um ovo.

Benditos sejam todos os seres que sentem fome.
Que dói na barriga e na alma também.
Senhor, tende piedade dos que sentem sede.
Que é a fome seca e mata sem piedade.
E ainda tende dó dos que apenas dispõem
de água lamacenta pros seus afazeres.
A água, elemento que mais existe na Terra
é o que mais falta nos faz.

Meu Senhor Jesus, que já sofreu tanto.
Pra que tanto lenho os homens extraem.
Pode ser por pena dos seres sem casa.
Mas no entanto vejo, quantas cruzes fazem.

Meu Jesus Cristinho, não volte a este mundo.
Tanta fome existe, tanta casa falta,
sede imensa que não se mata.
Se te pegam santo, apregoando a igualdade,
vão lhe prender no calabouço
como louco ou comunista.
Ou lhe chamarão de oportunista
e lhe crucificarão nas cruzes diárias.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Alice no país das poucas maravilhas

Para Alice Monteiro, autora do livro de poesias "Estelar", lançado no dia 13 de maio de 2009, numa festa digna das estrelas, como ela sempre foi.


Como gostaria de não precisar ficar triste
com as desigualdades que presencio
nas ruas da minha cidade
e das outras cidades do meu país.
Como adoraria não houvesse tristeza
nos rostos das gentes da minha cidade
e das outras cidades do meu país.
Como apreciaria a existência
das cores no desbotado dos desertos.
Como ficaria feliz com o brilho
dos desertos no colorido das coisas.
Como seria bom não precisar abrir inventário,
nem correr processo, nem ficar possesso.
Se eu pudesse tanto, abria meu canto,
pra reinventar a vida.
Nesta vida nova teria quase tudo
de bom que Deus fez.
Mas na minha cidade, nas outras cidades,
no deserto e nas coisas todas do meu país.
Dava um jeito santo pra acabar os prantos
e em todo canto teria uma Alice.