quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Porta retrato


Porta retrato garrafa
Não aprisiona o fotografado
Ponha-me  no vasilhame de vinagre
Se quiser, coloque azeite.
E já fico temperado.

Retrato retrata a vida.
Não é a própria lida.
Se me coloca e ironiza.
Não ligo!
Sou gênio, pronto!
Já sei contar até dez.
Faço conta de mais e de menos.
Sei quem descobriu o Brasil!

Se na garrafa pudesse.
De lá faria o meu observatório.
E estaria protegido até de maremoto.
Mande essa mensagem de mim.

Se me encontrarem um dia.
Sendo mulher formosa.
Eu juro amor eterno.
E se gostar de poesia.
Eu lhe prometo um soneto,
se me tirar do sono.



Linha ocupada


Alô! Quem fala?
Ligaram desse telefone pra mim.
Pode ser alguém
que tenha um nome que eu conheça.
Possa ser pessoa
com algo importante
a me dizer.
Que salve o meu dia.
Ou mesmo uma vida inteira.
Se for vendedor de seguro
pra cobertor em dia de calor.
Diga que eu não estou!
Se for rapariga parida
que liga de Lisboa
pra contar da gravidez.
Lugar onde nunca estive...
Apresente os meus préstimos
ao recém-nascido.
Têm muita chance de ser escritor
os filhos de Portugal.
Mas sendo mercenário cobrador
Não devo nada ao senhor.
Se for pra falar da crise financeira.
Machado de Assis já abordava o tema,
em Memórias Póstumas de Brás Cuba.
De lá pra cá, pouco mudou.
Trocaram a moeda, o sistema.
Mas a alma...
transeunte passageira,
trocou de corpo,
mas continua sem entender de finanças.
No entanto, se for um aventureiro...
querendo alugar meu coração,
liga pro alfaiate,
quem cuida dos meus cortes.
É ele quem sabe o tamanho
das minhas desventuras amorosas.
Agora se foi engano...
De fato não foi ninguém.
Porque quem liga trocado,
para um aparelho desocupado,
não sabe que este número mudou.
Toque de novo, por favor!!!


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

O Nixon


O Nixon foi o sujeito mais divertido que conheci, sem que se esforçasse para isso. Era naturalmente engraçado. Costumava usar um paletó xadrez, que as más línguas contavam ser ferramenta para emergências. Se houvesse necessidade, ele o estendia na calçada e montava o piquenique. Era o estilo toalha de mesa legítimo. E o Nixon, nem aí para as maledicências dos amigos. Tinha dois riscados no puro gabardine.

Certa vez, descíamos a Gonçalves Dias para as nossas rotineiras visitas a empresas, para a manutenção de contratos e captação de novos clientes. Éramos caçadores de mão de obra temporária. Num repente, usando o meu ombro como cabide, ele soltou uma sonora gargalhada. Procurei nos passantes o inusitado e ninguém era motivo de galhofa.

— Galhardão! Era assim, no aumentativo, que ele me tratava. Embora a sua estatura me deixasse no chinelo.

— Você não vai acreditar! Pra não acordar a Cida, hoje cedo, tirei a roupa como ladrão. Foi no mais completo silêncio. E olhe o resultado — olhava para o chão a rir de si próprio.

Nixon havia calçado um sapato azul e o outro preto.

Noutra feita, estávamos nós no subúrbio do Méier, encapados de grã-finos e com uma fome de três dias.

— Galhardão! Vamos fazer uma boquinha na casa do meu irmão!

— Não, Nixon! Vamos incomodar!

— Deixa de bobagem! O que incomoda é essa fome de varar o estômago!

E lá fomos nós para a casinha de presépio, como pareciam as casas da Zona Norte, antigamente. Nixon tocou no portão e logo surgiu uma jovem senhora.

— Cunhadinha, viemos filar a boia!

A moça nos olhou enviesada e mandou a letra de quem não gostara da surpresa:

— Estou lavando roupa, Nixon! Não fiz comida. Improvisa algo!

— Tem macarrão?

— Pega no armário. O molho está na geladeira. Vou pros meus afazeres de doméstica. Não tenho empregada. Se vira!!!

E saiu solene, rumo aos fundos da casa, onde ombreava um tanque.

— Galhardão, vais comer a melhor macarronada da sua vida! E pôs-se a tocar o fogão com a maestria dos grandes chefes.

Logo veio com dois pratos fumegantes, encimado com queijo ralado, para enfeitar a obra. À primeira garfada, entalou na goela e foi tarefa difícil degluti-la. Nixon já partira para o segundo prato e eu ainda engatinhava no meu, já a meio gosto.

— Galhardão, você é frouxo! Não come nada! Macarrão napolitano não é todo dia que faz parte da sua faina! Vai, come tudo! Não me decepcione!

A muito custo, empurrei os compridos de massa rósea pro bucho. E lógico, não quis repetição.

— Galhardão, você não honra a pança que carrega!

— Estava ótimo, Nixon! Sou de comer pouco mesmo!

Da copa, Nixon grita para a moça que já estendia as roupas no varal:

— Cunhadinha, tem alguma sobremesa aí?

— Oh, Nixon! Tem um doce de goiaba na geladeira, num vidro de Karo!

Nixon me mirou com dois olhos esbugalhados, saindo da cara e berrou:

— Galhardão! Nós acabamos de comer macarronada ao molho de goiabada!