quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Então é Natal


Então ela embaralha os cartões de Natal
como se a vida fosse um jogo.
Quer escolher uma Dama e um Rei.
Sentimentos do mundo.
Desejos próprios.
Não sabe o que fazer com as lágrimas
que dilaceram seu coração.
Marcas profundas da saudade
de seus ausentes, de seus distantes.

Renasceu o menino Deus
em todos os lugares.
Gostaria de poder dançar
mas permanece estática.
As renas da existência
estão famintas e cansadas.
Mas está contente:
Os sonhos de todas as crianças
serão realizados.
Ela abre um sorriso e pensa nos nordestinos
que receberão seus barquinhos à vela.
Lembra dos africanos com seus lap-tops
e bonecas brancas.
Nos favelados com suas bikes motorizadas.
E em todos os lares com ceias fartas.
Recorda da sua infância miserável,
quando nenhuma encomenda chegou,
e releva a pouca sorte:
Com tantos pedidos prioritários
faltou tempo e espaço na bagagem.

Camarada Nicolau!
Agora que ela cresceu,
já sabe que as bonecas lindas
sempre estiveram guardadas
em si mesma.

Neste Natal, além da paz,
sonha receber um abraço forte,
um beijo molhado,
O calor humano dos seus ausentes.
Espera que aqueles olhinhos de toda a parte
fiquem arregalados com os seus regalos.

Ou ainda que os meninos de pouca sorte,
possam sobreviver a muitos Natais
até compreenderem que todos os seus presentes
sempre estiveram guardados
dentro do próprio peito.

Então ela embaralha os cartões de Natal
como se a vida fosse só um jogo.
E já não sabe o que fazer com as lágrimas.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Nossa Senhora da Conceição



Nossa Senhora da Imaculada Conceição
interceda por nós junto
ao seu filho Jesus Cristo,
e sob o vosso amparo,
conceda-nos a vossa luz e a vossa fé.

Permita-nos a cura para as nossas
doenças do corpo e nos alimente
com a purificação da alma,
com a graça em Cristo, Nosso Senhor.



Mãe de Deus, lírio da inocência,
possibilita-nos caminhar
no Jardim do Éden
e colher uma rosa furta-cor.
E se faça luz, para que em seu dia consagrado,
sejam enfeitadas todas as árvores de Natal do mundo.

Nossa Senhora da Conceição,
mantenedora da esperança e guardiã da fé.
No recanto dos viventes, a rainha majestosa.
Minha Deusa salvadora:
Clamo a vossa consagração.

Rezo o Credo, Padre Nosso,
Salve Rainha, bendita sejas!
Salve todas as manhãs!
Salve as horas vespertinas!
Salve as noites estreladas!
Salve novo alvorecer!
Farol azul celestial.

Nossa Senhora da Conceição!
Virgem santíssima,
Redentora!
Mãe justa e protetora.
Desça o vosso lume
sobre as nossas cabeças.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

O segredo do elástico do tempo

O elástico estica a vida.
Puxa a sorte. Hirta a saúde.
Viga os desejos.
Em todos os afazeres,
há de se fazer com o elástico.

Puxa e estica!
Usa a força física.
Apela aos ditames da moral.
E leva adiante
cada elástico
que lhe convir.

Elástico não é força motriz.
Não é desígnio do destino.
Não foi Deus quem quis!

Está em todos os caminhos.
Tem para os magrinhos.
Os mais grossos pros fortões.
Tem ilusão de elástico
para quem já não é são.

Seu único fascínio
é o desafio da elasticidade.
Vale a lei da estica.
Pega e não larga.

Quem acredita no elástico,
pensa que no fim da sina,
exista um gancho,
onde se possa prender
todo o êxito almejado.

Logro de ouro de tolo.
Todo o elástico esticado
se rompe bem antes
da metade do sonhado.

E quando não há mais resistência,
todo peregrino tende a olhar pra trás.
Quer saber da magia da elasticidade.
Ela voa com o peso da força dos anos
para cima de quem ousou lhe romper.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

O Laranjeiro e a Poeta

À Alice Monteiro, poema extraído de suas memórias, com o desejo do aniversário mais feliz de sua vida.

Na rua da Alice Monteiro
mora o mundo inteiro.
Ela é poeta.
Ela é Estelar.

Antigamente,
passava na estação ferroviária,
um laranjeiro.

O saco inteiro
com laranjas graúdas
e, possivelmente, de frutas suculentas.
Levava o menino, para uma outra cidade,
o saco abarrotado de igualdade.
Para onde, naturalmente,
não se produziam laranjas.

Alice não entendia
a sina do menino de bermudas:
Já tão cedo a trabalhar.
Locomotiva da vida,
em que estação vai parar?

O laranjeiro franzino,
com sua agilidade,
sem desconfiar,
criara o comércio exterior.

Foi nessa época,
de observá-lo,
que Alice resolveu
entrar para o ramo.

E passou a exportar sonhos, paixões,
amores e enlaces.
Produtos fresquinhos,
em forma de versos,
tirados da alma e do coração.

O laranjeiro e a poeta
exportavam alegria e emoção.
Estrofes amarelas como o céu de outono.
Sacudiam no trem a transportar esperança.

Na rua da Alice Monteiro
cabe o mundo inteiro.
Só o laranjeiro, não se avista mais.
Mas chegam recados, nas letras estelares:
Abre-se este dia, que é só de alegrias,
com notícias nobres:
O menino das laranjas virou poesia!

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Se eu soubesse fazer poesia

À Dra. Laís Augusta.
Um anjo entre nós.
Feliz aniversário!


Queria poder conceber
uma poesia especial.
Que viesse embrulhada pra presente
e tivesse florestas e flores,
cachorros e pardais.
Que fosse augusta na concepção
e Laís na aventurança.
Se ainda tivesse traquejo, bordava as bordas
com rosas lilases e cipestres.
E pra ficar ainda mais bela
pregava uma foto dela
e pintava a caixa de azul.

Na minha poesia haveria dança,
refresco e coca-cola.
Sorrisos frequentes
e uma caixa de lágrimas
pra abrir só de vez em quando.
Existiriam crianças e quintais,
mangueiras e amoreiras.
E sagrado:
Rasgava com as mãos, o encontro das águas.

Se as chuvas molhassem os versos,
pintava um sol a seguir
e secava letra por letra.
Colocava um tiquinho de musicalidade
e girava no cântico do Amazonas
que possui a força dos pajés.

São eles os senhores das matas.
Santos meus da criação me iluminem
para que um dia eu possa
fazer uma poesia assim.

Nesse dia, com muito zelo,
eu vou ofertá-la com todo garbo,
à doutora Laís Augusta
que eu sei da existência dela, por já tê-la visto em ação.
Ela é um agente dos Céus:
Está na Terra, a serviço de Nosso Senhor.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Saudades do Futuro

Parto de Casalinho da Ajuda.
No Paço de Lumiar
já perco o passo.
Avisto o Tejo, em Lisboa,
de águas boas, vem me banhar.

Mar de Palha incendeia
Vila Franca de Xira e Benavente.
Luzes de Lisboa,
onde o rio vira mar.

Trazes a Espanha,
correndo por Portugal.
Até, ó pá, adentrares o oceano.
Estrada das caravelas.
Histórias das conquistas lusitanas.

Caseias o Parque Florestal de Monsanto.
Calhariz, beirando Furnas.
Tu não me enfurnas novidade,
velha Lisboa, áureas sementes.

Saudades do futuro.
Mouraria, Bairro Alto, Madragoa;
cheiras-me a fado, Portugal:
Vozes antigas de marinheiros, vadios e fidalgos.
O fado é cantado das entranhas.

Moçoilas aportam às janelas.
Pedem a Santo Antônio
o milagre do casamento.
Já vai longe o orçamento.
Dói no bolso a bravata de juntar almas.

Segue romaria dos pedintes,
no destino do Mosteiro dos Jerônimos,
ali, pertinho do Céu, onde moram os anjos.
Nossa Senhora da Lampadosa,
rogai pelos homens de fé.

Deitam-se Camões, Fernando Pessoa,
Sophia Andresen, Florbela Espanca
e tantos outros consagrados, em solo santo.
Escrevem o destino da aldeia boa.
Sentem saudades do futuro de Lisboa.

Na capital do sobe e desce.
Quantas ladeiras guardam seus quintais?
Quantas rotas formam seu futuro?
Quantas Lisboas cabem em suas ruas?

Trens ladeirinhos na terra dos obrigadinhos.
Graças, senhor! Graças, senhora!
Muito obrigado, por essa região tão graciosa!
Venha-nos Deus, ó Portugal!

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Bonita é Daniela

Bonita é Daniela
que ao nascer
recebeu de seu avô
o pomposo título
de linda e bela.
E fofa também.

Foi com sorriso de cambucá,
cheiro de abricó, nódoa de jaca e fruta-pão,
que Daniela estreou
nas trilhas das lavadeiras.
Trouxa levava as outras.
Ela conduzia um amarrado de roupas.

Bonita é Daniela
que apesar de todo o trabalho,
nunca perdeu o encanto.
Somente em dias santos:

Quando se foi um filho,
para espanto, recém-nascido.
Sem dentes, sem olhar,
sem sonhos; era um anjo.
Hijo na caixa azul.
E nos deixou em prantos.

Em outro, por ter mais história,
Foi mais marcante a despedida.
Neste partiu seu avô.
Nem houve tempo
de lhe falar,
o que se houvesse
chance, diria:
Bonita é Daniela!
Linda e bela!
E fofa também.

Desde então, ela
enterrou o brilho no chão.
No entanto, plantou
a esperança no Céu.
Abriu uma outra
filial da alegria.
Buscou agradar aos filhos que já tinha.

Daniela deu Mira à vida.
Iluminou a saudade do Pinga.
Descerrou a voz do cantante.
Foi musa pros versos da poesia.

Passantes, errantes, pastores.
Pintores, compositores, poetas.
Publicitários e estilistas...
Prestem atenção ao calado.
Um comunista não foge à lida.
Mesmo que o discurso seja outro.
O homem que repartia
o alimento na bacia,
a tantos que em torno dela
conseguissem se juntar,
decretou e não aceita emendas:
Que a partir desta data poêmica.
Em todo o reino da existência.
Fica expresso em título e prosa
O que estas estrofes fazem saber.
Entre as mais lindas e belas...
Bonita é Daniela!
Palavra de seu avô.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Caminhantes

Sou poeta do acaso.
Falo da vida à toa.
De um tempo colhi pimpolhos.
D’outros retoulhos.
Na algibeira restou-me a lida.

Da alheia
ribalta ao norte
não lhe restou folhetim.
Cavouco a insistência
para colher paciência.
Sou do azougue
a tordilha.

Alhures cacei algures.
Foi-me de Homero a Ilíade.
De Romeu a Julieta.
Da romiseta o terceiro pneu.
De 22 fui o único.

De vindo foi num chegando.
De casto cá estou moderno.
Prostrado aos pés do altíssimo.
Suplico a voz do encanto
de um canto que a tudo atinja.

Que a tinja da veste santa
que em outro tempo foi mancha:
Na Inquisição do Divino.
Açoite de alguma rima.
Que a pinte as tintas de agora.
Navegue no virtual.
Mares nunca d’antes navegado,
por nossa saudosa língua.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Tributo a Mercedes Sosa

Agradecimentos à Violeta Parra, autora dos versos de “Gracias a la vida”, que tranformou-se em ícone musical das Américas, na voz da inesquecível Mercedes Sosa.


Gracias à Mercedes,
que a vida me é tanto.
Lampiões acesos
mostram-me o caminho.
Seu cantar ecoa
em nossos destinos.
Cantante latina
que me envolve tanto.
O céu estrelado fulge o seu amor.

Gracias à Mercedes Sosa
que me envolve tanto.
Mito de la vida.
Canta noche y dia,
toda a natureza.
Brumas matutinas, ecos vespertinos.
Gracias, mi Mercedes Sosa.

Gracias a la voz da América.
Nascida Argentina.
Adotada pelo pueblo de Chile.
Cantante de los países latinos.
Amada por Chico, Caetano e Gil.

O que dá sentido às palavras aladas?
Paixão devotada a su madre,
su amigo, su hermano.
Intensidade da alma
aflorada em nome da arte.

Gracias a la vida
de Mercedes Sosa.
Caminhante eterna
das cidades, praias,
montanhas, chapadas.
Seus desertos
moram em sua rua.

Gracias a la vida
que de corazón,
me há dado tanto.
Seus olhos cerrados
já não miram frutos,
mas o seu legado
marca o nosso rumo.

Eu destaco os versos.
Encontro sorrisos,
shows intermináveis
que é o meu próprio canto.

Gracias à Mercedes Sosa
toda a nossa trilha.
Que me alegro tanto.
Que me envolvo todo.
Gracias a la vida
e todo su canto.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Filipe com I e Luz

Filipe chegou com “i” para inovar o nascimento.
Com a inspiração dos anjos, para irmanar os separados.
Para irradiar energia à avó, a irreparável força da vida.
Fez sorrir sem fazer graça e chorar sem distribuir dor.

Tem no olhar a magia dos animais
que nos dizem todas as coisas
ditas sem voz e palavras.

Pequeno gigante
que aporta no porto da vida.
Tem o seguro de pai e mãe
e a garantia de avós.
A garatuja de iguais.
A promessa de cirandas.
A certeza da mira dos gudes.

Meu pequeno Filipe com “i”.
Invasor de nossos sonhos.
Intercessor de nossos caminhos.
Príncipe de todos os reinos.
Depositário de todas as nossas esperanças.

Vaga uma lenda
que no farol de sua estrada
as luzes não vão se apagar.
E as estrelas, todas elas,
serão para sempre suas.
São guizos para te fazer cantar.

No mundo podes escolher
tudo que lhe convir.
Religião, clube, profissão e mulher.
Mas pese bem cada escolha,
Pra não errar de Deus, não virar casaca,
não operar pelo capital e pensar que exista
alguma mulher diferente.

Meu pequeno Filipe valente.
Que ousou brotar nesta vida.
Seja bem vindo menino redentor.
Traga pra gente a sua alegria.
Receba de terno, todo o nosso amor.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Alma de poeta

Eu conheço um poeta
que mora longe,
mas vive dentro de mim.
Às vezes ele se inquieta com a minha carapaça inútil
debruça-se na alma
e se manifesta em versos.

Quando se cansa da minha capa balouçante,
que anda de ônibus
e pega trem de subúrbio,
salta meu poeta do enjoo da Cantareira
e singra mares castanhos,
às margens das terras de Araribóia.
E navega num barco à vela
em busca de rima nova ou prosa.

Onde mora a inspiração?
Seria perto do coração?
Ou salta das artérias?
Do cerebelo ou dos cabelos?
Cérebros são criadores ou receptores literários?
Poemas deixam ou adentram o corpo?

Vá saber, vago poeta!
Que de todo muito
me conta um pouco.
E de todo pouco sempre vale muito.
Artesão de frases que voam
e às vezes pousam, às bordas da emoção.
Poeta invasor ou intercessor.
Pouco importa a sua origem.
Escreva mais na minha alma
que eu lhe confesso o meu segredo:
Sou caçador de sonho azul.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

As ruas da minha cidade

Uma rua que se liga a outra rua.
E mais outra que entrecorta uma avenida,
que termina numa praça,
e dá entroncamento a outras ruas.

São caminhos desta cidade,
onde, com sorte,
todos os dias,
entre duas colunas de prédios,
a lua vem lavar de prata
a minha janela.

Ainda pego a estrada
e volto às minhas origens,
onde os astros
vinham iluminar
os nossos ninhos.

Uma rua e outra rua.
Onde com sorte
passa um bonde
que me carrega
pro longe
e à noite
traz minha amada.

E todas se interligam.
São caminhos
desta cidade
onde a cismar no meu canto,
entre dois pilotis,
tarda no colo o espanto.

Descíamos a Estrada da Gávea
e no rodo do bonde,
pegávamos à condução.
Se possuía um nome aquela praça,
na minha memória,
os bondes tomaram-no de assalto.

Onde com sorte eu encontro
um ou outro conhecido
que abana a mão ao acaso:
segundos de uma amizade.

Ai que saudades eu tenho
da rua solteira do meu vilarejo de outrora,
onde numa prosa eu perdia um dia
e ganhava a noite numa roda de viola.

Ai se eu pudesse, voltava,
pra minha rua descalça,
que me transportava aos galopes,
pras ruas desta cidade.
Onde uma rua se liga a outra rua
e outra a uma nova rua.
Retalhos desta metrópole do mundo.

A praia do Leblon
ficava distante,
mas apeávamos a
Marquês de São Vicente,
dobrávamos a Bartolomeu Mitre
e já estávamos lá.
O mar batia na areia
e corria como um rio.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Fátima Princesa

Eu quero te pintar de azul.
Cabelos carmim – lábios de cetim.
Olhos esmeraldas como lhe convém.

Outra opção seria o verde.
Tudo bem tingido.
Verde água pleno
pra matar-me a sede de você.

E se fosse prata?
Com os aros ouro.
As madeixas deixas como são.
Teus afagos seriam
abraços de Midas.
E as minhas saudades
pesadas no ourives.

Logo viriam os tintistas
com protestos tantos,
a manchar as cores
dos teus reinos ouro, prata,
verde água e do mais puro azul.

No entanto,
como quero tanto
teu reinado santo,
vou pintá-la, sim,
na mais furta-cor
que é o tom dos anjos.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A velha e a praça II

A velha e a praça
se contorcem
na contracapa
da velha revista
O Cruzeiro

Deitam-se imagens
no fosfalhar
do vento cineasta
que recria o desenho
animado e o cinema.

A velha tridimensional
baba nas estrelas.
Dente porcelanizado.
Corpo de brilho passado.

Momento eternizado
na capa da velha revista
O Cruzeiro.

Miss Brasil 58.
Estrela do Botafogo.
Adalgisa Colombo,
a mais perfeita,
a caminho das Américas.
Envolta num maiô Catalina.
Uma beleza Helena Rubenstein.

A velha agora torce.
Bandeira desfraldada
de um clube esmaecido
nas folhas amareladas.
Memórias rotas
do país do futebol.

Um país inteiro
desce pela direita.
E freia e ruma outra
vez pelo mesmo atalho.
Entorta pra esquerda
como se fosse voltar.
Namora a linha de fundo
e cria um caminho improvável.
Uma camisa de estrela é perseguida,
puxada, agarrada, rasgada.
O que veste a sete,
achou espaço entre pernas e dez
centímetros de gramado.
A velha ri como a adivinhar
o destino da bola que sai dos pés
de Mané Garrincha.

A velha e a praça
trocam a manchete
em noite comovente.
Vagam vazias, sem almas.
São espectros de um tempo
em que a praça era palco
dos sonhos da velha.

A velha estende a mão
e puxa para si o cobertor.
Histórias de outras vidas,
páginas encardidas
da velha revista
O Cruzeiro.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A velha e a praça

A velha e a praça
se contorcem
na contracapa
de antigos jornais
e revisitadas revistas.

Deitam-se imagens
no fosfalhar
do vento cineasta.
Um filme de antigamente
nasce ao sabor da brisa.

A velha tridimensional
baba nas estrelas.
Dente porcelanizado.
Seu sorriso é manchete.

Momento eternizado
na notícia que voa e ecoa:
A velha sobreviveu a mais uma noite.

A velha agora torce.
Bandeira desfraldada
de um clube esmaecido
nas folhas amareladas.
Memórias rotas
do país do futebol.

A velha e a praça
trocam o lead
em noite comovente.
Vagam vazias, sem almas.
São espectros de um tempo
em que a praça era palco
dos sonhos da velha.

A lua cheia incendeia
outra vez a praça.
Traz o amarelo
de um ouro distante e fugaz
como a prata de tantas jornadas.

A velha estende a mão
e puxa para si o cobertor.
Histórias de outras vidas,
páginas encardidas
de facciosos jornais
e tendenciosas revistas.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Blog Blue

De que tamanho é este mar
que me conduz?
Quarenta e nove vezes
maior que a lua?!
Ou seria apenas
do costado de uma rua?
Uma avenida, uma cidade,
um pequeno país da América Central!

Estou sentado
numa casa que voa.
Não tenho parada certa
nem caminho predileto.
Sou do grupo dos blogblues.
Não tenho idade e não sei
o rumo deste mundo silencioso.

Respostas me chegam
num contador mágico
que narram, matematicamente,
em frios números
que, teletantos, acessaram
minhas poesias.
E outros tantos navegaram
nas asas dos meus encantos.

A blogsfera pode ser
maior que o Oceano Atlântico
e o transatlântico que nos transporta,
pode ser imenso como o Pacífico.
E não há ciência
que explique a transposição dos mares.

Vai daí de Portugal
tu que te escondes Trás os Montes
e diga-me lá se alguma benzedeira
do Algarves, sabe o segredo deste navegar.

Fale-me de Londres,
repórter das imagens,
se alguma luz azul,
como a que guarda a minha porta,
iluminou o fog da rainha.

Você moça dos olhos rasgados,
tamancos coloridos,
que corta as Muralhas da China,
dize-me por todas as bandeiras rubras
se pelo menos o lume de alguma borboleta
pousou na Praça da Paz Celestial.

Um blogspot cabe num pote.
E viaja no mundo como
meu pai e meu tio
que contavam postes
pra medir o caminhar.

A blogsfera não tem dimensão.
Pode girar somente no planeta Terra,
mas também pode alçar voo
rumo ao espaço sideral.
E só mesmo alguém que esteja lá
na dimensão silenciosa,
para entender este desejo blue
de lhes contar que tenho sonhos azuis...
Somente estes podem postar comentários
no idioma dos seres que habitam as estrelas.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

O boi encantado

O marido de Cathirina matou o boi de Sinhá!
Oi, que mal ele lhe fez?
Foi por capricho com Sinhazinha.
Pra quem o boi era rei.

Cathirina, desejo expurgo.
Queria a língua do boi, oi!
Feriu de morte o coração do rei
e de pronto a comeu.

Sinhazinha então foi definhando, ei!
De tristeza extrema,
morrendo de pena a cada dia.
O seu pai, querendo salvá-la, ai!
Convocou as forças supremas.
Para o boi ressuscitar.

O primeiro foi padre rezador
cujo esforço de nada adiantou, oi!
O segundo foi doutor bebum, hum! oi! ei!
Sai pra lá doutor com a sua sina de bebedor.
Foram tantos os encantos, mode reviver o boi, oi!

E nada o aprumou, ah!
Então o pai de sinhazinha
convocou o pajé da tribo
das terras dos manauaras.
E o índio rezou por sete luas
até o boi levantar, ei!
E foi festa na aldeia
e dança de boi-bumbá.
E o encantado touro
pra alegria de Sinhá,
virou Boi Garanhuns
para esta história contar.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

terça-feira, 23 de junho de 2009

O encontro das águas

Um risco negro corta a terra dos manauaras.
Um mar imenso de águas pretas avança pro longe
e quanto mais se invade os seus domínios
mais o distante foge da gente.
E sem que se achem as barrancas da floresta,
uma outra barreira surge inesperada a olhos desatentos.
O encontro das águas coloca de um lado o Rio Solimões
de leito rubro e profundezas geladas.
Do outro as marés escuras do Rio Negro de tucunarés e dourados,
onde habita Iara, a mãe d’água, sereia dos reinos fluviais.
A magia dos pajés deita os gigantes, lado a lado,
por dezesseis distâncias, sem que se misturem seus destinos.
Só quando o Solimões engole o Negro e tudo vira Amazonas,
num só leito, um só braço, caminha volumoso,
na sua vocação de rio mar.


Na foz do mais caudaloso rio
tem novo encontro das águas.
A pororoca se enrosca no embate
do mar doce que tenta quebrar
a salinidade oceânica.
É vermelho cruzando azul.
É azul avermelhando em lastro.
É o enredo das festas da tribo manauara,
redesenhado com as tintas fortes da natureza.
É Boi Caprichoso anil.
É Boi Garantido rubro.
É coração de boi que não se pode matar.
É o encontro diário das águas,
sacudindo lendas, desvendando crenças,
reinventando mistérios.
É Deus amarrando num laço tênue, a vida terrena.
É o Criador Caprichoso,
Garantido por esses milagres das águas.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Janelas da Cehab

De onde estou, posso enxergar o mundo inteiro,
sem que me percebam.
Descerro os olhos da casa e vislumbro os passantes
que rabiscam a vida devagar.
Alguns correm, outros apertam o passo,
são circunstantes que desenham a pressa dos dominantes.
Como diria Carlos Drummond de Andrade:
soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Quebrando o ritmo frenético, alguns meninos
batem bola na esquina, treinando a jogada genial,
que nos dará mais um título mundial,
em alguma próxima disputa de futebol.
Articulam nossa alegria futura.
Uns senhores jogam damas na mesa de pedra,
calculam circunspetos os segredos do envolvimento humano.
Vejo a senhora que retorna da feira, sobraçando o alimento do ninho
que os parcos recursos lhe permitem comprar.
Também posso ver alguns poucos desafortunados,
deitando-se com a tarde, sob a marquise dos supermercados,
no cantinho que se faça mais aconchegante.
De lá observam o repique de luzes que apagam e se acendem,
como árvores do faz-de-conta dos incautos.
Quem sabe o destino não lhes reserva um dia,
a possibilidade de ocupar o lado de dentro das janelas.
Do meu observatório, vejo a vida que se abre em leque e me pergunto
se não vale a pena tentar o máximo que nos seja possível,
mais e mais, o quanto de muito mais for permissível,
abrir aos milhares,
as janelas da Cehab.

Matriarca

Sabe, mãe?
Não deu ainda para
secar todas as lágrimas
da infância.
Mas já não dói a fome
de alguns dias do passado.
E a vida deu um salto
sob a sua conduta magistral.
Hoje, cá estou adulto,
carente de seu colo da infância.

A chuva não goteja mais do nosso telhado.
Nem desbarrancam mais as nossas casas.
Os nossos caminhos já não são de lama
e os nossos tanques não são mais as pedras de um rio.

Recordas as chuvas de verão?
Águas pesadas que ameaçavam
levar todos os sonhos morro abaixo.
Gente e casas desmoronaram em 1966.

Foste estaca da resistência.
Sob a sua guarda cresceram filhos,
netos e bisnetos.

As surras, todas por algum motivo justo,
doem menos que as chibatas silenciosas da existência.
E agora, nem nos fazem falta os abraços e os beijos
que não aprendeste a nos dar.

Pássaros bicam passarinhos.
Cachorros mordem os filhotes.
Tigresas mostram as presas
Cuidar com entrega deve doer na alma.

Agora não precisas mais enganar a fome
com um tanto de café e um cigarro
para sobrar o alimento aos seus pequenos.

Pedir emprestado um caneco de feijão,
um quilo de açúcar, um pouco de arroz.
Fazer comidinha de barro é o nosso papel.

Sabe, mãe?
Hoje penso ter crescido o suficiente,
para entender a vida.
Mas no entanto, guardo só um pouco:
A dor que sinto vem de longe.
Nosso ontem modificou nosso amanhã.
E o segredo é viver intensamente o hoje,
como se não houvesse amanhã.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

O mundo que falta

Eu vi uma menina que sentia fome.
Que remetia ao pai o pedido da mãe:
Ela lhe implora que se leve algo pra gente comer.
E o pai, comovido, na boca da feira,
leva a mão ao bolso, cata umas moedas,
mas logo constata que só dava pra comprar um ovo.

Benditos sejam todos os seres que sentem fome.
Que dói na barriga e na alma também.
Senhor, tende piedade dos que sentem sede.
Que é a fome seca e mata sem piedade.
E ainda tende dó dos que apenas dispõem
de água lamacenta pros seus afazeres.
A água, elemento que mais existe na Terra
é o que mais falta nos faz.

Meu Senhor Jesus, que já sofreu tanto.
Pra que tanto lenho os homens extraem.
Pode ser por pena dos seres sem casa.
Mas no entanto vejo, quantas cruzes fazem.

Meu Jesus Cristinho, não volte a este mundo.
Tanta fome existe, tanta casa falta,
sede imensa que não se mata.
Se te pegam santo, apregoando a igualdade,
vão lhe prender no calabouço
como louco ou comunista.
Ou lhe chamarão de oportunista
e lhe crucificarão nas cruzes diárias.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Alice no país das poucas maravilhas

Para Alice Monteiro, autora do livro de poesias "Estelar", lançado no dia 13 de maio de 2009, numa festa digna das estrelas, como ela sempre foi.


Como gostaria de não precisar ficar triste
com as desigualdades que presencio
nas ruas da minha cidade
e das outras cidades do meu país.
Como adoraria não houvesse tristeza
nos rostos das gentes da minha cidade
e das outras cidades do meu país.
Como apreciaria a existência
das cores no desbotado dos desertos.
Como ficaria feliz com o brilho
dos desertos no colorido das coisas.
Como seria bom não precisar abrir inventário,
nem correr processo, nem ficar possesso.
Se eu pudesse tanto, abria meu canto,
pra reinventar a vida.
Nesta vida nova teria quase tudo
de bom que Deus fez.
Mas na minha cidade, nas outras cidades,
no deserto e nas coisas todas do meu país.
Dava um jeito santo pra acabar os prantos
e em todo canto teria uma Alice.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

Refavela

Homenagem a algumas das pessoas com quem dividi as vielas da minha querida Favela do Parque da Cidade. Éramos uma vila de proletários. Gente feliz que partilhava com o próximo uma caneca de feijão ou um punhado de arroz. A solidariedade humana era um bem comum.

Dona Maria Petica pechincha
na birosca do seu João:
Quer dois quilos de carne-seca,
meio de paio e uma sobremesa das Gerais.

O seu João da birosca
importou 35 parentes
no Natal.
Quer fundar uma nova Olinda
no Parque da Cidade, no alto da Gávea.

Onde passa um bloco de lata no carnaval.
Latões comprados no laboratório
Moura Brasil. Santo remédio contra a tristeza.
Guta na harmonia, Vavá no repique
e o povo na alegria tirada do batuque.

As bailarinas do samba
desfilam a vinte centímetros do chão.
São deusas momescas
que não ousam macular o solo sagrado.

O tilintar dos botijões de gás traz
a sonoridade para a fila explosiva de sábado.
Em nossa seca particular
centenas de latas de vinte abastecidas
na única torneira do lugar.
Carregam um rio enlatado morro acima.
Na inversão do leito natural
das águas bentas.

Antônio maluco,
carregador oficial
de material de construção.
Quem te carregou o juízo?

Chefinho, de fala mansa,
passos curtinhos, concorrente único
do maluco no ofício de carregar.

Passinho, goleiro do Botafogo
que deixava a bola passar sob as pernas
para defendê-la pelo rabo num salto mortal.

Sua mãe, Dona Maria,
nas noites de sexta-feira,
reunia a criançada para contar
estórias de encantamento,
do tempo do era uma vez.

Havia ainda outra Maria,
que era a Mira, minha mãe.
Esta detinha o segredo,
do milagre da multiplicação dos pães.

A tia Cida,
mãos benfazejas,
enfermeira e parteira
a receber novas vidas
e a salvar outras tantas.

A senhora Dona Lica,
domadora de luzes,
nos rezava de quebranto,
costela caída e espanto.
E nos curava de encosto
e de desgosto de amor.

O Pinga bêbado
caído na vala.
Meu super-herói preferido
O que melhor sabia voar
e vencer os percalços da existência.
Este lhes digo com orgulho,
pernambucano arretado
de quatro costados e um tratado:
até o fim da missão, seria ele o meu pai.

Rico, amigo raro
dos gols articulados no campo das madres.
Nos sonhos de estudar tanto até se formar cidadão.
Por quê Deus te quis tão cedo nos Reinos do Céu?
Devia estar precisado de reforço no time dos anjos.

Ninguém pode imaginar
o que seja o cantar dos galos na madrugada,
o latido dos cães no passar dos cavalariços,
o uivo da mula-sem-cabeça,
antecedendo as tempestades.
É lá no morro que os sonhos
existem com maior intensidade.

Na refavela tudo pode mudar
a qualquer tempo.
Só depende de como Deus
queira nos olhar.

E sabíamos tantas Marias
e também tantos Josés
que se Deus precisasse
de substitutos,
formaríamos filas de candidatos
para a procissão de fé.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

A vida é bela

A vida é uma bobagem.
Um somatório ilusório de beijos,
abraços, afagos, sorrisos e lágrimas.

De nada valem estudos, pesquisas, avanços,
os livros escritos aos milhares,
páginas e páginas a descortinar a náusea.

Ginástica, acarajé e feijoada.
Tomar sal de frutas e fazer amor.
Pular amarelinha e jogar damas.
Descortinar o dia com raios solares
ou lavar a cara com a chuva da manhã.

Cantar as músicas de todos os acordes.
Dançar um samba miudinho e lambreta.
Tocar corneta na torcida do Fogão.
Divagar sobre a comida no aparador.

Varrer o sótão e dependurar as roupas no varal.
Cuidar dos pássaros e ser cercada pelos cães.
Importar toda a emoção da novela
e não se importar com o roubo dos ladrões.

Bordar os guardanapos e tingir a calça velha.
Plantar uma muda de sempre-viva no portão.
E pendurar no prego as mágoas do coração.
Mostrar a beleza que Deus emprestou
e apesar da luta, o tempo não estragou.

A vida decantada em prosa e verso.
Pintada e repaginada sob a ótica de quem vive.
Se a vida morre mesmo um pouco a cada dia.
Também se ganha um dia a mais na Rede Vida.

Se já não posso mais levar meu pai ao cinema.
Posso assistir a “Doce Vida” de Fellini.
A “Vida é Bela” também passa na telona.
E minha irmã de vez em quando me telefona.

Posso ir ver as garotas de Ipanema.
Tomar um chope e cantar a Madalena.
Atravessar a Rua Larga que hoje é pequena.
E dar um beijo no cachorro do vizinho.

Tomar um vinho no Dom Camillo, lá em Copa.
Sem me importar se por lá não tenho amigos.
Dar um abraço no bêbado da outra mesa.
E lançar um berro sob a placa de silêncio.

E se valer à pena eu danço um xote.
Dou um pinote em sua casa e juro amor.
Mostro que no inverso da amargura
mora a doçura do sorriso de uma dor.

A vida é bela.
Não é nada uma bobagem.
Tenho tentado uma saída pra virada.
Quero mostrar que todo sonho é azul.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Emília de Pano

Quando cai o entardecer
O homem espia a criação de Deus.
Fico a imaginar onde tu possas
guardar o teu encanto.

Sob as vestes da noite rola a lua.
Milhões de luzes estrelares
ofuscam em alguma parte
o brilho do teu olhar.

Seresteiros na esquina
dobram cifrados poemas,
cantam outras bonecas
em seus instrumentos de cordas.
Dona Benta e o Visconde de Sabugosa
transformam a vida em brincadeiras de roda.

Doce escultura divina.
Enfeite da vida terrena.
Anjo que transita soberano
a garimpar brilhos nos olhos infantis
com sua alma de pano.

Quando o lume da manhã
incendeia o dia outra vez,
tu vagas sobre corações perdidos
o lânguido voo das águias
e pousa no porto seguro
dos desejos universais das crianças.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Poemeto

Poema em homenagem à filha de um povo que luta pela liberdade e pelo bem-estar de sua gente.

Dáme la mano
rayto de sol.
Pra desbravar as brumas
das manhãs de maio.

De onde te vem os olhos?
Do povo do teu caminho.
O hino do vosso ninho.
Canção que não sei cantar.

De onde te vem os olhos?
Longe das almas mães.
Lâmpadas das mãos.
Marisol.

Que rumo te traça a vida?
O povo do teu caminho.
As naves, estradas, o trilho.
As estrelas e os espinhos.

Pra onde vai tua nau?
As bruxas, os reis, bicho-papão.
Boneca de pano, cantiga de ninar.
Menina de cinco tempos
dáme la mano
com as chaves do amanhã.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Para fazer poesia

Eu queria ser um poeta português
pra fazer verso como se fizesse pão francês,
uísque escocês,
vinho italiano.

No emprego da palavra
possuísse o poder de sedução
da mulher que dança.
A força do atleta no arranque.
Pudesse sentir a dor da árvore
no corte do machado.

Queria fazer versos
como se vivesse em Lisboa,
partindo para desbravar mares
e conquistar terras brasis,
em rotas orientais.

Produzisse versos
sabor de goiabada com queijo
e cheiro de chocolate.
Que tivessem o ritmo de samba com tango
e o gingado de um xaxado.

Conceber a poesia
com a alma
das rendeiras do Algarve,
pois elas são benzedeiras...
e acabam nos desejando o Céu.

Anseio por estrofes fortes,
encanto das raparigas,
deslumbramento dos homens pobres,
transformados em insones
senhores de botequim.

E a embriaguez
do poema
fizesse voar as garças.
Que, às vezes, são como anjos:
pousam sua majestade,
em lodo de rio morto.

Feliz aniversário

Fazer aniversário é renascer
para uma vida curta.
Inaugurar uma idade nova.
Única. Nunca realizada.
Para sempre a primeira
e a última aventura.

Desbravar o tempo
que não se repete,
é missão de somar
segundos preciosos
no placar da existência.

Adicionar açúcar ao sal.
Secar lágrimas e abrir sorrisos.
Guardar segredos.
Contar histórias.

Fazer aniversário sempre
vale a pena.
É a garantia de observar o voo
e a sonoridade dos pássaros.
As aves são anjos disfarçados
a medir a intensidade dos nossos pecados.
É a certeza de poder acompanhar
o crescimento das árvores.
Sentir na pele o calor do sol
e os pingos da chuva.
O milagre da faísca dos relâmpagos
e o estrondo dos trovões.
Ouvir o latido dos cães
a nos contar que são nossos melhores amigos.
E sonhar que a fome pode ser menor
para milhões de famintos.

Abro uma prece a mais linda princesa
e clamo bem-aventurança.
Fazer cinquenta e quatro aniversários
é um selo de garantia de sobrevivência.
Portanto, mereça os parabéns da vida,
pois ela te merece.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Para dizer que te amo

João Alberto, o teu choro inaugural
foi hino aos meus ouvidos.
Teu primeiro sorriso vazio
me encheu o coração de felicidade.
Os teus cabelos fulvos, olhos fugidios,
indefinidos no verde da mãe
e no castanho do pai.
Teu semblante carregado
na beleza materna
e teu corpo espichado,
puxado ao pater poder.

Foste encomenda de amor,
menino poesia.
Tens a força de transmitir
este sentimento.
Pedaço pequeno da nossa paixão.
Divisão humana dos nossos pés,
das nossas mãos, dos nossos corações.
Senhor supremo dos nossos destinos.
Dono das nossas vontades.
Farol da nossa razão.

João Alberto, filho da nossa alegria.
Prova concreta da nossa existência.
Identidade viva das nossas vidas.
Pequeno mundo em nosso caminho.
Batuque intenso em nosso peito.
Nossas vozes lançadas mudas,
dizendo ao outro:
Eu te amo.

João Alberto, pedaço maior de nós dois.
Te olho profundamente
nos teus olhinhos difusos
e penso como seria bom se existisses.

terça-feira, 7 de abril de 2009

O Diadema de Inacinha

Este poema é uma homenagem à Alessandra Cali, a pessoa mais doce com quem tivemos oportunidade de conviver na empresa em que trabalhamos.

Pegaram o diadema de Inacinha
Que era tão pequenininha
Que chorou a jornada inteira
Mais à noite
E trinta e outros dias.

Suas madeixas na cintura
Sem tiara na cabeça
Sem ter trança
Pouco zelo
Pobrezinha da Inacinha.

Foi na calada da noite
Troça da ama
ou da vizinha.

Foi na brincadeira de roda.
Quiçá, na amarelinha.
Ou foi no banho escondido
Pelada no riachão.

Foi no galope do alazão
Ou no tranco do zebu
Talvez na poda da roça
Quem sabe no ninho da galinha?

Nem reza forte ajudou
Nem prece pra São Longuinho
Falhou o faro do cachorro
Sumiu no guizo da ventania

Foi troca de Pererê Saci
Brincadeira de duende
Encomenda de menino travesso
Esquecimento de cabeça de vento

Foi por ali
No alvoroço
Sem deixar
Nenhum vestígio
Sem que olhos
Fossem postos
Sem o calado da vítima
Que um dia três de maio
Varava uma chuva fina
que se misturou
aos prantos
da pequenina Inacinha.

Desde então
digo seu moço
Caço nas cismas do mundo
O brilho do seu olhar
A sua ternura de anjo
O seu gozo de menina.


Recebeu Menção Honrosa no 11º Concurso Literário do Servidor Público do Estado do Rio de Janeiro promovido pela FESP no ano de 2004.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Praça

As casas abraçam a praça,
que abraça as pessoas que passam
e acolhe a História do Brasil.

Na ponta extrema,
esquerda de algum lugar,
doze elefantes vermelhos coreografam
danças de uma tribo distante.
Alados homens de língua russa
voam num balé clássico.

Na outra ponta, onde se disputa
uma devassa negra, loira
ou ruiva, geladas:
o Odeon passa um filme
norte-americano do ano passado.

No permanente palco político,
em frente à Câmara,
idealistas clamam por
posições de sonhos.

Na Biblioteca Nacional
arquiva-se tudo o que foi
escrito no país e
ninguém nunca leu.

Os pombos e a praça.
Libertas Quae Sera Tamen.
Cem anos de Theatro Municipal.
Amarelinho desde 1921.

A Rio Branco despeja
um trânsito frenético
vindo das áreas mais
pobres da cidade,
rumo às zonas mais abonadas.

Uma estátua humana aceita
alguns centavos
em troca de um movimento
e de um sorriso.
Um homem doido solta
fogo pela boca.
E um pivete de toda hora
corre afoito entre o povo
com o celular que acabou de afanar.

A praça desfila moda de todas as classes
e serve de morada para os excluídos sociais.
Um turista suíço ferve e a verve de nada lhe vale.
A Cinelândia das Belas Artes tem a nossa cara.

sexta-feira, 27 de março de 2009

Saudade

Este poema é uma homenagem ao meu primo Paulo Pimentel, peregrino do mundo, e quem primeiro me contou o segredo de saudade: não existe tradução em nenhuma parte.

Saudade nasceu no Alentejo.
Percorreu as cidades lusitanas
e veio dar no mar de Ipanema
numa tarde de outubro
de um dia qualquer.

Cruzou praças e longas avenidas.
Adentrou matas, varou chapadas
e subiu montanhas.
Cortou, rasante, Ilhéus.

Morou no peito de Adelina.
Mudou de mala e cuia pra Serafim.
Agonizou na alma de Adelaide
e foi calar fundo num corpo alado e vagabundo.

Não tem idade
e nem se dá conta
da quantidade do
gentio que tocou.

Já inspirou poetas
e musicais.
Já foi tema de sambas de carnavais.
Doeu no indígena e no estrangeiro.
Separou épocas, locais e até casais.

Saudade é ausência nostálgica.
É distância de quem partiu
ou de quem ficou.
É separação que não dá
pra esconder na cara.
É vazio que ecoa como dor.

Saudade é própria
da língua pátria.
Só existe nos falares portugueses.
Não existe tradução em
nenhuma parte.
Só dói no coração de nossa gente.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Capoeira

Ontem eu vi três homens no cais da Bahia
Eram homens fortes
como costumam ser os homens do cais.
Conversavam como três amigos.
E eram três amigos...
Três amigos de uma só mulher.

Ontem eu vi três homens no cais de Salvador.
Um tinha chapéu.
Outro não tinha chapéu.
O outro nem sei se chapéu tinha.

E jogaram capoeira de Angola.
E pularam e rolaram
feito bola.
Até aí morreu Chico Bento.

Não sei se ele era casado.
Nem sei se ele tinha tia.
Chico Bento, homem do mundo,
não era de contar façanhas.
Muito comedido, muito recatado:
Chico Bento das Gerais.

Eram três homens no cais da Bahia,
Mas olhando bem, bem, já eram dois.
Parecia um casal de dançarinos,
desses bem londrinos,
que dançam tango argentino
lá na cidade Paris.

Eram mestres na arte de lutar.
O que um fazia, o outro desfazia
pra que esse não fizesse.
Essa bênção quase acertou
a cabeça de Cuca Painha.

Cuca Painha era decidido.
Não era de levar mágoa para casa.
Nunca levou...
nem ia levar mais.
Cuca Painha definhou no cais
depois do último salto mortal.
Cabra de batente, homem resistente,
não ia morrer assim tão de repente.
Mas Cuca Painha brigou.
Cuca Painha bateu e apanhou.
Cuca Painha morreu na baía
cinco minutos depois.

Eram três homens no cais do porto.
Um já foi soldado.
Outro era barbado.
E um sonhava em ser doutor.

Mas tanto que brigaram,
tanto que embolaram,
que Chico Bento morreu...
Cuca Painha definhou
cinco minutos depois.
E dos três homens,
restou um só, no cais da cidade do mar.

Estático, fantoche da razão.
Olhar perdido no balouçar das ondas.
Ainda viu a lua despontar,
depois se deixou levar
pela primeira ruela que encontrou...
E se não me engano,
entrou naquele sobrado.
Acomodou-se no ninho,
feito um passarinho...
sem ter asas para voar.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Dez Minutos

Estou só.
Brutalmente só.
Tão somente só.
Na estufa global
o alerta vermelho anuncia
que o mundo vai acabar
em dez minutos.

Os homens ainda vivem.
Pelo menos é o que sinto.
Noticia a imprensa internacional.

Há um sentimento de culpa no ar
nesse imenso deserto que me suponho,
e me ponho,
e me calo.

Já tentei gritar aos ventos
que o mundo inteiro está morrendo.
Que o mundo pouco a pouco está desabando.
Mas não há um que o pegue e o lance a outro
e o meu grito morre sufocado em mim.

Em dez minutos o mundo vai acabar.
É a manchete do Planeta Diário.
E nem o super-homem surge para nos salvar.

O mundo ruindo e os homens rindo.
O mundo acabando e eles olhando outros mundos.
O mundo esquecendo do mundo...
O muito que o mundo fez.

O mudo mundo.
O surdo mundo.
O imenso imundo mundo.
O lindo e complicado mundo
está morrendo.

O homem esquece.
O mundo aquece.
A água desaparece.
Daqui a dez minutos o mundo vai acabar
e nem o super-homem surge para nos salvar.

Por isso estou só.
Brutalmente só.
Tão somente só
nesse imenso deserto
que me suponho.
E me ponho.
E me calo.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Mamãe Ursa

À Vanda Rolon, amiga eterna e prima querida. Foi ela quem primeiro levou-me a uma passeio. Depois, mudou-se para longe do Rio e a única imagem que ainda guardo é a da foto, no Jardim Botânico. Você não é só Mamãe Ursa. Também é uma linda Vitória-Régia.

Tropeças nas nuvens
pousadas no chão,
gélidas como os
corações dos homens.
Pisas o caminhar
do percurso seguro.
É preciso levar os filhotes
para onde a vida
transcorra em
acolhimento de berço.

Mamãe Ursa conhece os
riscos do céu no chão,
Onde o horizonte branco
esconde desconhecidos perigos
e pares que ameaçam seus filhotes.

A trilha sem o macho
aumenta seu desassossego.
No entanto, ainda segue
suas orientações no caminhar.
Ecoa a voz de papai urso
que mandou o Céu pra Terra
e ficou por lá.

A brancura dos nimbos
camufla a família de ursinhos.
Decorre um tempo de décadas
em que Mamãe Ursa
nos levava sem medos
ao Jardim Botânico,
onde existia um velho
pescador de almas,
e sem que soubéssemos,
juntou o meu destino
ao de uma fada.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Agora que eu Sei Falar


Vovó, agora que eu atingi
a maioridade nenenhesca,
já aprendi a falar e a contar,
quero lhe fazer um pedido especial:
Guarde a minha festa na parede,
para comemorá-la ainda muitas vezes.

Não deixe que poquem os balões.
Nem maculem meus super-heróis.
Guarde com cuidado o bordado
da toalha de mesa.
E se der, congele o resto do bolo
para que a cada ano da minha existência,
eu possa comer um pedaço
com o gosto de saudade.

Pegue a pureza que resta.
Deposite-a no coração
que um dia ainda
vou precisar
para distribuí-la
entre os meus pares.

Não deixa que eu
cresça nunca
no seu cantinho da memória.
No futuro serei Eduardo,
mas o melhor de mim,
dou-te agora, por inteiro,
neste sorriso de Dudu.

Ah! vovó...
prenda este choro
na palma da minha mão,
que quando eu aprender,
eu o devolvo em carinho
e arremesso no mar
todas as suas lágrimas.

Deposite no baú
todas as minhas coisas.
São a expressão da alma.
Se agora valem como brinquedos,
mais tarde serão o registro do amor,
que ora recebo neste
meu terceiro aniversário,
de todos os que sabem cantar.

Guarde os balões e as bandeiras.
Os sorrisos dos meus amigos.
O brilho dos olhos dos meus pais.
O ensaio de choro dos meus avós.
O zelo de todos os meus tios.
Não perca os primeiros livros.
Os carrinhos de plástico.
Os mimos de madeira.
Ponha no saco a primeira mamadeira.
Mas não esqueça o mais importante,
Faça-o com muito esmero,
tranque a sete-chaves,
o lume da minha festa
estampado na parede,
que ainda volto
pra festejá-la.

A Casa

A casa estala, ruídos que vêm da sala.
Range a porta do banheiro.
É o vento fantasma que passeia.

Pelas frestas da janela,
a luz que penetra,
ilumina poucas coisas,
como a emprestar um candelabro à casa.

O cachorro levanta a cabeça
com preguiça.
Um pássaro cisca migalhas
do resto da ração amanhecida.

Cortinas balançam.
Ensaiam o balé da ausência.
Olhares bisbilhotam sobre o muro.
A casa dormita sem donos.

A morada se abre para a avenida
principal do bairro.
A cidade prossegue com
a vida em ebulição.
E, no entanto, num canto de rua,
uma casa dorme
à espera de seus moradores
com uma festa guardada em
seus cômodos.

terça-feira, 10 de março de 2009

O bonde de Santa Teresa

Rodas de ferro da minha cidade
Corisco das montanhas de Santa Teresa
Festa constante a transportar gente da nossa cor
Destinos e caminhos que os tem decorados de cor e salteado.

Vai seu José pedreiro, construir a parede
que o seu Manoel vai pintar de carmim.
E a dona Iracema lavadeira
vai dependurar as vestes embandeiradas nos varais.

Vai pipa raia, ave fogosa dos céus.
Mas tome tento,
pois por trás dos cata-ventos
vem um pião tenteando
sua rabiola com cerol,
pra lhe cortar o rebolado aéreo.
Batalhas insanas de uma infância
que ainda sabe voar.

De bonde em bonde
Não sei para aonde,
vai o trem alado abarrotado
a se estreitar nas ruas do bairro.

Bêbados equilibristas tragados
dos seus botequins famosos
dividem com as máquinas
o espaço das ruas que nos levam a toda parte,
a bailar a insensatez dos incautos,
a dança débil das pipas avoantes.

Rodas de ferro da minha cidade
a bordar de vida o cenário
de filmes rodados no cotidiano
das viagens dos bondes de Santa Teresa.

Esquinas

Quando dobramos a esquina
Já estávamos em direção a Lima
O Senhor Giramundo
nos interceptou e disse que naquela calle,
iríamos chegar em Buenos Aires, a capital cisplatina.
Com sorte, se tivesse céu,
podíamos passar em Montevidéu e
conseguirmos Assunção, em terras paraguaias.
Virgem Maria das aparições
intercedei em Cristo
por nossos caminhos livres.

Quando llegamos a Plaza de Mayo,
já era junho
e existia um protesto novo pelos
hijos das plagas branco-marinho;
e pragas novas em hijos amarelos,
como em toda a parte.

Quedamos rumo a Santiago
onde nos aguardava um bom vinho.
Voar ao Porto e a Lisboa
sempre é de bom alvitre
a quem viaja mundo afora.
Paris, Verssalles, vento na cara.
Em Roma, uma boa reza na Piazza San Pietro.
E no Vaticano, passar ao largo.
Dar um pulo no Campo da Paz Celestial
e bater uma pelada no Ninho dos Pássaros.

Era sábado, dobramos a esquina e chegamos
à Praça das Nações, em Bonsucesso.
Apesar de tudo planejado,
voltamos para casa.
Já era tarde.

quinta-feira, 5 de março de 2009

A Nega Maluca


Esta é uma homenagem aos ceramistas brasileiros. A Nega Maluca é figura de destaque nos trabalhos artesanais e folclóricos.

A nega maluca
Menina sapeca
Cabelo espetado
Levada da breca.

Com o seu rebolado
Na ginga do samba
Conquista quem é bamba
Encanta quem passa.

Lá vai a neguinha
No berço da raça
Arregaça a graça
Faz luz ao passar.

A nega maluca
De todo cheirosa
Moçoila dengosa
Faz gosto te olhar.

Neguinha fogosa
Assento arrebitado
Balança em bordado
O teu caminhar

A nega florida
Vestido amarelo
A tua presença
Tem o selo de Deus.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Palavra

Preciso te buscar palavra.
Como a um beijo da mulher amada.
Desnuda, inteira, entregue,
Como a nudez da alcova desejada.

Preciso ser íntimo
Como criança diante
de índio de plástico.
Amigo como cão de dono antigo.

Preciso de ti, palavra.
Como sedento necessita d’água.
Como mágico, da lucidez lúdica.
Como arremesso precisa de alvo.

Quero conhecer os seus segredos,
entendê-la por trás da sua imagem,
Interpretar as suas entranhas,
ter o ritmo exato da sua musicalidade.

Sentir a recôndita dor
da transformação do verso em poesia.
O anúncio da vida
na explosão do parto.
A força da lágrima derramada.
O linear voo das águias.

Lânguida deusa,
assombração e musa,
permita-me, humildemente,
receber o seu afago.

Sem Sentido de Ser

Esta poesia eu fiz com doze anos de idade. Aos 16 anos, venci com ela o concurso literário do Colégio André Mauróis.

Meço o mundo passo a passo
Vivo à procura de mim.
Faço, desfaço, refaço.
Me perco, me escondo, me acho.
Desespero, espero e faço.

Corto o mundo em traços fáceis.
Traços que faço em passos.
Passos que faço em caminhos.
Caminhos que faço em viver.

Traço passos pelo mundo,
e num único segundo,
faço nascer uma flor!

Traçam passos nos meus passos
sem saber que a flor nasceu.
Fazem monstros maquinários,
camuflando o que plantei.

Talvez tenha nascido no asfalto...
Talvez na linha do trem...
Tão mimosa!...
Tão sublime!...
Quem sabe já não morreu?!

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Évora

À Florbela Espanca

Dói-me n’alma, Portugal.
Uma moçoila em recordo; Évora.
De vasto sorriso, Trás-os-Montes.
Olhos d’água, por vezes castanhos.
Algumas brilhantes, outras transbordantes.

Que me dormitava
Ao regaço
De tuas pernas roliças.

E me acordava
Aos afagos
Com um belo fado de antanho.

Cabe-nos, hoje, em garatuja,
Esta lusitana herança
D’onde brota a voz cantante,
Pra expressar toda esta dor,
Que me arrebenta no peito
E me sacode além mar.

Vago taciturno pelos becos de Lisboa, Évora.
Voo ao Porto, aderno no Alentejo.
Caminho por tuas ruas ermas.
Sob o mesmo céu de violetas roxas.

Sigo-te as pernas roliças.
Abrem-te-me teus vales;
Vulva de reliquiae.
Cai um sol de abril.
Tento andar, tanto andar.

Quedo um tanto em Monte Cristo.
Crispa-me o corpo.
Tange-me a gélida aragem outonal.
Açoite da saudade
Que me espanca flor bela,
Dói-me n’alma, Portugal.


Recebeu o primeiro lugar no 12º Concurso Literário do Estado do Rio de Janeiro promovido pela FESP no ano de 2006.