sexta-feira, 27 de março de 2009

Saudade

Este poema é uma homenagem ao meu primo Paulo Pimentel, peregrino do mundo, e quem primeiro me contou o segredo de saudade: não existe tradução em nenhuma parte.

Saudade nasceu no Alentejo.
Percorreu as cidades lusitanas
e veio dar no mar de Ipanema
numa tarde de outubro
de um dia qualquer.

Cruzou praças e longas avenidas.
Adentrou matas, varou chapadas
e subiu montanhas.
Cortou, rasante, Ilhéus.

Morou no peito de Adelina.
Mudou de mala e cuia pra Serafim.
Agonizou na alma de Adelaide
e foi calar fundo num corpo alado e vagabundo.

Não tem idade
e nem se dá conta
da quantidade do
gentio que tocou.

Já inspirou poetas
e musicais.
Já foi tema de sambas de carnavais.
Doeu no indígena e no estrangeiro.
Separou épocas, locais e até casais.

Saudade é ausência nostálgica.
É distância de quem partiu
ou de quem ficou.
É separação que não dá
pra esconder na cara.
É vazio que ecoa como dor.

Saudade é própria
da língua pátria.
Só existe nos falares portugueses.
Não existe tradução em
nenhuma parte.
Só dói no coração de nossa gente.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Capoeira

Ontem eu vi três homens no cais da Bahia
Eram homens fortes
como costumam ser os homens do cais.
Conversavam como três amigos.
E eram três amigos...
Três amigos de uma só mulher.

Ontem eu vi três homens no cais de Salvador.
Um tinha chapéu.
Outro não tinha chapéu.
O outro nem sei se chapéu tinha.

E jogaram capoeira de Angola.
E pularam e rolaram
feito bola.
Até aí morreu Chico Bento.

Não sei se ele era casado.
Nem sei se ele tinha tia.
Chico Bento, homem do mundo,
não era de contar façanhas.
Muito comedido, muito recatado:
Chico Bento das Gerais.

Eram três homens no cais da Bahia,
Mas olhando bem, bem, já eram dois.
Parecia um casal de dançarinos,
desses bem londrinos,
que dançam tango argentino
lá na cidade Paris.

Eram mestres na arte de lutar.
O que um fazia, o outro desfazia
pra que esse não fizesse.
Essa bênção quase acertou
a cabeça de Cuca Painha.

Cuca Painha era decidido.
Não era de levar mágoa para casa.
Nunca levou...
nem ia levar mais.
Cuca Painha definhou no cais
depois do último salto mortal.
Cabra de batente, homem resistente,
não ia morrer assim tão de repente.
Mas Cuca Painha brigou.
Cuca Painha bateu e apanhou.
Cuca Painha morreu na baía
cinco minutos depois.

Eram três homens no cais do porto.
Um já foi soldado.
Outro era barbado.
E um sonhava em ser doutor.

Mas tanto que brigaram,
tanto que embolaram,
que Chico Bento morreu...
Cuca Painha definhou
cinco minutos depois.
E dos três homens,
restou um só, no cais da cidade do mar.

Estático, fantoche da razão.
Olhar perdido no balouçar das ondas.
Ainda viu a lua despontar,
depois se deixou levar
pela primeira ruela que encontrou...
E se não me engano,
entrou naquele sobrado.
Acomodou-se no ninho,
feito um passarinho...
sem ter asas para voar.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Dez Minutos

Estou só.
Brutalmente só.
Tão somente só.
Na estufa global
o alerta vermelho anuncia
que o mundo vai acabar
em dez minutos.

Os homens ainda vivem.
Pelo menos é o que sinto.
Noticia a imprensa internacional.

Há um sentimento de culpa no ar
nesse imenso deserto que me suponho,
e me ponho,
e me calo.

Já tentei gritar aos ventos
que o mundo inteiro está morrendo.
Que o mundo pouco a pouco está desabando.
Mas não há um que o pegue e o lance a outro
e o meu grito morre sufocado em mim.

Em dez minutos o mundo vai acabar.
É a manchete do Planeta Diário.
E nem o super-homem surge para nos salvar.

O mundo ruindo e os homens rindo.
O mundo acabando e eles olhando outros mundos.
O mundo esquecendo do mundo...
O muito que o mundo fez.

O mudo mundo.
O surdo mundo.
O imenso imundo mundo.
O lindo e complicado mundo
está morrendo.

O homem esquece.
O mundo aquece.
A água desaparece.
Daqui a dez minutos o mundo vai acabar
e nem o super-homem surge para nos salvar.

Por isso estou só.
Brutalmente só.
Tão somente só
nesse imenso deserto
que me suponho.
E me ponho.
E me calo.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Mamãe Ursa

À Vanda Rolon, amiga eterna e prima querida. Foi ela quem primeiro levou-me a uma passeio. Depois, mudou-se para longe do Rio e a única imagem que ainda guardo é a da foto, no Jardim Botânico. Você não é só Mamãe Ursa. Também é uma linda Vitória-Régia.

Tropeças nas nuvens
pousadas no chão,
gélidas como os
corações dos homens.
Pisas o caminhar
do percurso seguro.
É preciso levar os filhotes
para onde a vida
transcorra em
acolhimento de berço.

Mamãe Ursa conhece os
riscos do céu no chão,
Onde o horizonte branco
esconde desconhecidos perigos
e pares que ameaçam seus filhotes.

A trilha sem o macho
aumenta seu desassossego.
No entanto, ainda segue
suas orientações no caminhar.
Ecoa a voz de papai urso
que mandou o Céu pra Terra
e ficou por lá.

A brancura dos nimbos
camufla a família de ursinhos.
Decorre um tempo de décadas
em que Mamãe Ursa
nos levava sem medos
ao Jardim Botânico,
onde existia um velho
pescador de almas,
e sem que soubéssemos,
juntou o meu destino
ao de uma fada.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Agora que eu Sei Falar


Vovó, agora que eu atingi
a maioridade nenenhesca,
já aprendi a falar e a contar,
quero lhe fazer um pedido especial:
Guarde a minha festa na parede,
para comemorá-la ainda muitas vezes.

Não deixe que poquem os balões.
Nem maculem meus super-heróis.
Guarde com cuidado o bordado
da toalha de mesa.
E se der, congele o resto do bolo
para que a cada ano da minha existência,
eu possa comer um pedaço
com o gosto de saudade.

Pegue a pureza que resta.
Deposite-a no coração
que um dia ainda
vou precisar
para distribuí-la
entre os meus pares.

Não deixa que eu
cresça nunca
no seu cantinho da memória.
No futuro serei Eduardo,
mas o melhor de mim,
dou-te agora, por inteiro,
neste sorriso de Dudu.

Ah! vovó...
prenda este choro
na palma da minha mão,
que quando eu aprender,
eu o devolvo em carinho
e arremesso no mar
todas as suas lágrimas.

Deposite no baú
todas as minhas coisas.
São a expressão da alma.
Se agora valem como brinquedos,
mais tarde serão o registro do amor,
que ora recebo neste
meu terceiro aniversário,
de todos os que sabem cantar.

Guarde os balões e as bandeiras.
Os sorrisos dos meus amigos.
O brilho dos olhos dos meus pais.
O ensaio de choro dos meus avós.
O zelo de todos os meus tios.
Não perca os primeiros livros.
Os carrinhos de plástico.
Os mimos de madeira.
Ponha no saco a primeira mamadeira.
Mas não esqueça o mais importante,
Faça-o com muito esmero,
tranque a sete-chaves,
o lume da minha festa
estampado na parede,
que ainda volto
pra festejá-la.

A Casa

A casa estala, ruídos que vêm da sala.
Range a porta do banheiro.
É o vento fantasma que passeia.

Pelas frestas da janela,
a luz que penetra,
ilumina poucas coisas,
como a emprestar um candelabro à casa.

O cachorro levanta a cabeça
com preguiça.
Um pássaro cisca migalhas
do resto da ração amanhecida.

Cortinas balançam.
Ensaiam o balé da ausência.
Olhares bisbilhotam sobre o muro.
A casa dormita sem donos.

A morada se abre para a avenida
principal do bairro.
A cidade prossegue com
a vida em ebulição.
E, no entanto, num canto de rua,
uma casa dorme
à espera de seus moradores
com uma festa guardada em
seus cômodos.

terça-feira, 10 de março de 2009

O bonde de Santa Teresa

Rodas de ferro da minha cidade
Corisco das montanhas de Santa Teresa
Festa constante a transportar gente da nossa cor
Destinos e caminhos que os tem decorados de cor e salteado.

Vai seu José pedreiro, construir a parede
que o seu Manoel vai pintar de carmim.
E a dona Iracema lavadeira
vai dependurar as vestes embandeiradas nos varais.

Vai pipa raia, ave fogosa dos céus.
Mas tome tento,
pois por trás dos cata-ventos
vem um pião tenteando
sua rabiola com cerol,
pra lhe cortar o rebolado aéreo.
Batalhas insanas de uma infância
que ainda sabe voar.

De bonde em bonde
Não sei para aonde,
vai o trem alado abarrotado
a se estreitar nas ruas do bairro.

Bêbados equilibristas tragados
dos seus botequins famosos
dividem com as máquinas
o espaço das ruas que nos levam a toda parte,
a bailar a insensatez dos incautos,
a dança débil das pipas avoantes.

Rodas de ferro da minha cidade
a bordar de vida o cenário
de filmes rodados no cotidiano
das viagens dos bondes de Santa Teresa.

Esquinas

Quando dobramos a esquina
Já estávamos em direção a Lima
O Senhor Giramundo
nos interceptou e disse que naquela calle,
iríamos chegar em Buenos Aires, a capital cisplatina.
Com sorte, se tivesse céu,
podíamos passar em Montevidéu e
conseguirmos Assunção, em terras paraguaias.
Virgem Maria das aparições
intercedei em Cristo
por nossos caminhos livres.

Quando llegamos a Plaza de Mayo,
já era junho
e existia um protesto novo pelos
hijos das plagas branco-marinho;
e pragas novas em hijos amarelos,
como em toda a parte.

Quedamos rumo a Santiago
onde nos aguardava um bom vinho.
Voar ao Porto e a Lisboa
sempre é de bom alvitre
a quem viaja mundo afora.
Paris, Verssalles, vento na cara.
Em Roma, uma boa reza na Piazza San Pietro.
E no Vaticano, passar ao largo.
Dar um pulo no Campo da Paz Celestial
e bater uma pelada no Ninho dos Pássaros.

Era sábado, dobramos a esquina e chegamos
à Praça das Nações, em Bonsucesso.
Apesar de tudo planejado,
voltamos para casa.
Já era tarde.

quinta-feira, 5 de março de 2009

A Nega Maluca


Esta é uma homenagem aos ceramistas brasileiros. A Nega Maluca é figura de destaque nos trabalhos artesanais e folclóricos.

A nega maluca
Menina sapeca
Cabelo espetado
Levada da breca.

Com o seu rebolado
Na ginga do samba
Conquista quem é bamba
Encanta quem passa.

Lá vai a neguinha
No berço da raça
Arregaça a graça
Faz luz ao passar.

A nega maluca
De todo cheirosa
Moçoila dengosa
Faz gosto te olhar.

Neguinha fogosa
Assento arrebitado
Balança em bordado
O teu caminhar

A nega florida
Vestido amarelo
A tua presença
Tem o selo de Deus.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Palavra

Preciso te buscar palavra.
Como a um beijo da mulher amada.
Desnuda, inteira, entregue,
Como a nudez da alcova desejada.

Preciso ser íntimo
Como criança diante
de índio de plástico.
Amigo como cão de dono antigo.

Preciso de ti, palavra.
Como sedento necessita d’água.
Como mágico, da lucidez lúdica.
Como arremesso precisa de alvo.

Quero conhecer os seus segredos,
entendê-la por trás da sua imagem,
Interpretar as suas entranhas,
ter o ritmo exato da sua musicalidade.

Sentir a recôndita dor
da transformação do verso em poesia.
O anúncio da vida
na explosão do parto.
A força da lágrima derramada.
O linear voo das águias.

Lânguida deusa,
assombração e musa,
permita-me, humildemente,
receber o seu afago.

Sem Sentido de Ser

Esta poesia eu fiz com doze anos de idade. Aos 16 anos, venci com ela o concurso literário do Colégio André Mauróis.

Meço o mundo passo a passo
Vivo à procura de mim.
Faço, desfaço, refaço.
Me perco, me escondo, me acho.
Desespero, espero e faço.

Corto o mundo em traços fáceis.
Traços que faço em passos.
Passos que faço em caminhos.
Caminhos que faço em viver.

Traço passos pelo mundo,
e num único segundo,
faço nascer uma flor!

Traçam passos nos meus passos
sem saber que a flor nasceu.
Fazem monstros maquinários,
camuflando o que plantei.

Talvez tenha nascido no asfalto...
Talvez na linha do trem...
Tão mimosa!...
Tão sublime!...
Quem sabe já não morreu?!