terça-feira, 8 de outubro de 2013

Suspeito de viver


Ao meu camarada Armando que dizia ser azul pra enganar quem o perseguia. Sumiu. Nunca soubemos de seu paradeiro.

Ao meu melhor amigo, Carlos Augusto, o Guta, que teve o olho de seu filhinho perfurado por “bala perdida”.

A minha tia Cida que, muitas vezes nos emprestou canecas de arroz e feijão crus, para termos o que comer. Nosso débito já deve ultrapassar meia tonelada.

Ao meu pai, José Ferreira de Lima, o Pinga, que trazia pés e pescoços de galinha, restos do restaurante do Flamengo, para ser a nossa canja, quando havia arroz.

Ainda “in memoriam” de meu pai que, mesmo nos momentos de extrema miséria, sempre nos ensinou que,  na vida, o que mais importa é a própria vida. “Não vale se sujar nem por tostão nem por milhão”.

Por fim, a Amarildo que só conheci pela imprensa. Mas convivi com a sua história ao longo da existência. Foram milhares de Amarildos que não tiveram a mídia ao lado. Mas que sofreram na carne o peso da chibata dos mesmos senhores.

Senhores da capital e do Capital. Perdoem-nos por todos os Amarildos que ousaram nascer. Perdoem-nos pelo
 crime de nascermos pobres.



 
Você é negro favelado.
Já perdeu o rebolado.
Quem mandou você nascer?
Você é suspeito de viver.

Não me olha de banda
que eu não sou quitanda.
Nem carrega na quimbanda
que o meu Quilombo é na África.

Me economiza!
Me erra!
Não me atira
seu olho gordo de fome.
A expiação desta vida
não vão te pagar.

Banda a lua.
Expurga o sol.
Pra terra da assombração
quem mandou vir, seu moço?
Pro almoço pés e pescoços
de galinhas, avezado.
Caldo de cabeça de peixe
no prato de lata de doce.
Ninguém quer ser convidado.
Passam ao longe da tua fome.

Os homens estão desconfiados.
Andam investigando os teus passos.
Na noite invadida,
por que tanto interesse na minguante?
E que tanto miravas na moça bonita?
Olhavas as marmitas...
Observava o movimento das padarias.
O que fazia de tocaia,
Na banca de bananas da feira livre?

Te cuida, seu moço!!!
Você é suspeito de viver!
Passa curtinho a tua marra.
Não avacalha o nosso serviço.
Tira este riso da cara!
Que ao feio não é permitido sorrir.

Onde esconde os esconderijos?
Entrega logo a cambada!
Diga quem foi que matou
quem não morreu?!

Sujeito folgado de honra amassada.
Nem lanterneiro te arruma...
Apruma o rumo!
Ajeita um jeito.

Se me sujar do teu sangue.
A tua família vai lavar a minha farda.
A tua ficha já foi levantada.
Você é suspeito de viver...

Um comentário:

  1. Geraldo Ferreira de Lima14 de novembro de 2013 às 02:18

    A Justiça nunca compareceu aos lares dos humildes.

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