sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O vazio do papel



O vazio do papel
me convida a entrar.
Posso rabiscar garatujas
e desenhar garranchos.
Saber que o papel é o laço
de catar histórias.
Conte quem contar,
eis o primeiro passo.
Quero engatinhar
pelos cantos brancos
e colorir algumas arestas
que me interessem.
Posso levantar, correr
e desfraldar bandeiras brancas.
Invisíveis ícones
das entranhas do papel.
São entrelinhas do segredo.
Rolo em sua gramatura
sem espaço pra gramática.
Não sou das letras.
Sou afeito aos pinceis.
Arrisco um risco.
A obra brota como germina a semente.
Ninguém ousou pintar ainda
do seu interior.
Parece mágica.
Não vejo a arte
mas sei que a concebo
a olhos alheios.
Será bonita?
Pinturas são lindas como as mulheres:
Mulheres são pinturas vivas.
Serão verdades?
Estar nesta espessura tênue
e no entanto ter o tamanho
do mundo inteiro para passear.
Quero vagar a vadiar como fez Chaplin.
Tocar Noturno de Chopin ao amanhecer.
Abrir as vinte e uma sinfonias
em Mi bemol maior,
que Dó é pena de fechar.
Sonhar os sonhos bons
nos balões dos gibis.
Amar o mar da cor que desejar.
Voar nas asas altas da Panair.
Ler Budapest.
Ir a Stambul.
Comprar Gillet.
Ter a noção exata
quando se está fora do papel.

Um comentário:

  1. Uma narrativa fiel do grande escritor que é você e que me enche de inspiração. O que se pode fazer num papel, só quem debruça sobre ele é quem sabe.
    Amigo,
    abraços.

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